Na sociedade portuguesa cada vez mais individualista, com o sentimento comunitário pelas ruas da amargura e o associativismo exausto à procura de novos dirigentes, torna-se curioso como muitos cidadãos portugueses sem filiação partidária têm mostrado, nos últimos meses, disponibilidade para assumir o mais alto cargo local, cuja única função é servir os seus concidadãos.

Numas eleições em que o candidato pesa mais na balança do que o partido político, terá Portugal caído num vazio ideológico autárquico?

À primeira vista, não parece ser esse o caso, pois a quantidade de cabeças de lista que já militaram em partidos é suficiente para supor que haverá uma matriz ideológica por detrás destes movimentos de cidadãos independentes. Contudo, as suas motivações, de norte a sul e de este a oeste, seguem o mesmo vento: eleger um executivo livre de amarras partidárias, que priorize os interesses do concelho e dos seus munícipes acima de qualquer diretiva externa.

Juram a pés juntos que são os arautos da independência partidária, mas se olharmos com atenção, serão todos o símbolo de imparcialidade? Tenho as minhas dúvidas. Não nego que estes movimentos cívicos só enriqueçam a cultura e o espírito democrático do nosso país, e saúdo aqueles que nascem da necessidade de uma política autárquica isenta de vícios. Contudo, não posso deixar de notar que muitos têm estatuto de independente, mas o percurso político diz o contrário.

Antes de mais, temos os “independentes” que gostam tanto de saltar que nem interessa a cor do trampolim. É o caso do ex-vice socialista da Câmara de Marco de Canaveses, que agora lidera a candidatura “Marco em Primeiro” com o apoio do PSD e CDS. Mas não é o único que tem a flexibilidade para torcer a perna esquerda até ficar direita: o candidato do PS à Câmara de Vila do Conde em 2017 integra atualmente a lista da candidatura do PSD à Câmara da Póvoa de Varzim. O ex-líder da concelhia de Ovar e da distrital do CDS integra a lista do PS para a Câmara do mesmo concelho para as eleições de 12 de outubro — lá vai mais uma cambalhota partidária, pronta para o próximo flic-flac.

Depois temos o tipo de “independentes” que mais adeptos tem vindo a ganhar este verão: aqueles que já são autarcas e deixaram de militar no partido pelo qual foram eleitos. Parece que, depois de vários anos a exercer funções executivas nos seus municípios, têm uma epifania entre março e julho de 2025 e entendem que, afinal, o que o seu concelho necessita para atingir o seu expoente máximo é um movimento independente. Tão independente que eles próprios o encabeçam.

A vereadora do PS do município de Estarreja é a líder do movimento independente “Estarreja Forte”. Já em Paços de Ferreira, o ex-vice-presidente da Câmara e antigo líder da concelhia do PS é candidato à presidência da autarquia pelo movimento “Unidos pelo Município de Paços de Ferreira”. Em Esposende, o presidente da Assembleia Municipal eleito pelo PSD encabeça o movimento “Mudança por Todos” e, na Trofa, o atual presidente da Câmara desfiliou-se do PSD e candidata-se pelo movimento “A Trofa é de Todos”.

Estes movimentos independentes, que mais parecem extensões de concelhias desentendidas, dão a impressão de que a única coisa que apresentam de diferente é o carimbo partidário apagado do outdoor. Compram casacas que viradas do avesso ficam sem cor e, por vezes, trazem bordado o discurso anti-partido. Agitam bandeiras no ar e dançam ao som do cansaço popular.

A verdade é que este vírus anti-partidário independente já entrou no sistema imunitário autárquico há vários anos, mas estudos indicam que a propagação poderá também infetar o presidencial. Há que ter cuidado, pois, nestes casos, ter as vacinas em dia pode não ser suficiente.

Ana Sofia Ferreira