Nos últimos meses, as eleições nos Estados Unidos da América entre Donald Trump e Kamala Harris têm sido um tema central nas nossas vidas, devido à sua importância social e económica. No entanto, existe um fenómeno psicológico chamado dissonância cognitiva que influencia drasticamente os eleitores, as campanhas e até mesmo o processo democrático.
O que é a Dissonância Cognitiva?
A dissonância cognitiva é um desconforto mental que surge quando uma pessoa sustenta duas ou mais crenças, valores ou atitudes que se contradizem, ou quando as suas ações entram em conflito com as suas convicções. Esta definição foi introduzida por Leon Festinger em 1957, na sua obra “A Theory of Cognitive Dissonance”, tornando-se uma das teorias mais importantes para explicar como e por que motivo as pessoas ajustam as suas atitudes e comportamentos para reduzir a tensão causada pela incoerência interna.
Um exemplo que ajudou a consolidar este fenómeno foi uma experiência realizada em 1959 por Festinger e Merrill Carlsmith. No estudo, Festinger e Carlsmith convidaram diversos participantes a realizar uma tarefa monótona e repetitiva. Depois de completarem essa tarefa, os participantes deveriam mentir ao próximo participante, dizendo que a tarefa era divertida e interessante. Essa mentira tinha como objetivo criar uma situação de dissonância, pois os participantes sabiam que ela não era agradável. Para analisar como os indivíduos justificavam essa mentira, Festinger e Carlsmith dividiram os participantes em dois grupos: um grupo recebeu $1 para mentir e o outro $20.
Por fim, os participantes foram questionados sobre o que realmente tinham achado da tarefa. Os resultados mostraram que que os participantes pagos com $1 relataram ter gostado mais da tarefa do que aqueles que receberam $20. A explicação para isto é que este grupo experienciou mais dissonância cognitiva. Como o pagamento de $1 não era suficiente para justificar a mentira, os participantes sentiram a necessidade de ajustar as suas atitudes em relação à tarefa para reduzir a dissonância, convencendo-se de que a tarefa era mais interessante do que ela realmente era. Por outro lado, o grupo que recebeu os $20 sentiu menos dissonância, pois o pagamento de um valor mais elevado justificou a inconsistência entre o pensamento e a ação.
Quais as implicações dos Media e das Redes Sociais?
A dissonância cognitiva é fortemente influenciada pelo papel dos media e, atualmente, pelas redes sociais, que permitem a existência de bolhas de informação. Estas bolhas surgem quando grupos de pessoas consomem notícias e opiniões apenas de fontes que partilham a mesma perspetiva, repetindo e amplificando as mesmas ideias. Além disso, as crenças preexistentes são reforçadas, dificultando a a consideração de diferentes visões.
Os media são uma fonte de informação crucial que molda a forma como os eleitores perspetivam eventos e figuras políticas. No entanto, os media partidários e os comentadores políticos desempenham um papel fulcral na amplificação da dissonância cognitiva.
Os programas de televisão, jornais, revistas ou podcasts que têm um viés claro relativamente a uma determinada ideologia política reforçam as crenças dos seus seguidores, oferecendo justificações ou reinterpretações de eventos. Por exemplo, um jornal que tenha uma inclinação partidária específica pode minimizar ou desqualificar artigos críticos aos seus candidatos, mantendo uma coesão para o público alvo, mas também perpetuando uma determinada visão e criando uma bolha de informação.
Além disso, os algoritmos das redes sociais também contribuem significativamente para a criação das bolhas de informação. O conteúdo é personalizado com base nas interações ou preferências de quem o consome, expondo desproporcionalmente os utilizadores a publicações e vídeos que reforçam as suas opiniões, dificultando a superação da dissonância cognitiva. Deste modo, se um utilizador tiver interesse em visões mais conservadoras vai ser exposto a conteúdo que sustente essas mesmas opiniões.
Identidade de Grupo e Polarização Política
Quando alguém se identifica com um partido ou ideologia as suas crenças deixam de ser apenas individuais, passando a estar relacionadas com o grupo social do qual fazem parte. A política em si é uma partilha de ideias e crenças, com uma determinada missão comum, encaixando-se numa identidade de grupo.
Em situações em que a dissonância cognitiva está presente, um eleitor que se identifica com um grupo político vai priorizar a coesão do grupo, em vez de analisar criticamente as informações conflituosas. A mudança de opinião ou a aceitação de uma visão divergente poderia ser interpretada como uma “traição” à ideologia.
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No formato de debate do vídeo sugerido, quem estivesse sentado em redor da mesa central deveria levantar a bandeira quando achasse que a pessoa que estava a debater deveria sair do debate e outra deveria ocupar o seu lugar. Na amostra de vídeo acima os estudantes em redor levantaram as suas bandeiras no momento em que a rapariga que se encontrava a debater explicou que ainda não tinha uma opinião concreta sobre a IVG ser considerada assassinato ou não, mesmo apontando um ponto relevante para o debate.
Nos EUA, onde o sistema eleitoral se concentra principalmente nos partidos Republicano e Democrata, os outros candidatos são frequentemente esquecidos. Muitos eleitores têm tendência a pensar que um voto nas outras opções seria um voto desperdiçado. O foco durante a campanha é entre esses dois candidatos, perpetuando a polarização política, mesmo sem a influência de qualquer dissonância cognitiva. No entanto, a dissonância é intensificada pela polarização política.
Numa sociedade tão polarizada, como a dos EUA, os eleitores não veem os opositores só como pessoas com diferentes opiniões, mas como ameaças diretas aos valores e à segurança do grupo e do país. Os eleitores podem justificar os comportamentos radicais dos candidatos que apoiam argumentando que são necessários para a proteção do grupo com o qual se identificam. Além disso, também procuram racionalizar atitudes ou declarações inadequadas, descrevendo-as como erros ou necessidades estratégicas.
Algo comum e visível nas eleições americanas é a identificação das acusações mais graves do candidato de escolha como fake news ou como um exagero, mas ver a mesma atitude do adversário como algo desonesto.
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A identidade de grupo e a polarização política intensificam a dissonância cognitiva, levando os eleitores a justificarem inconsistências, mesmo diante de evidências contrárias. Estas atitudes têm como objetivo reduzir a dissonância, mas perpetuam a polarização. Da mesma forma, fazem com que os dois lados se vejam como inimigos, em vez de dois participantes num diálogo democrático.
Num contexto democrático, um fenómeno como a dissonância dificulta o diálogo e cria uma atmosfera polarizada. Os eleitores vêem os opositores como ameaças e não como pessoas com quem possam discutir ideias, com respeito e de forma moderada, reduzindo também a possibilidade de consenso. Da mesma forma, os debates tornam-se mais emocionais, com pouco espaço para a reflexão e para o questionamento construtivo das propostas dos candidatos.
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Embora a dissonância cognitiva seja um processo psicológico inerente ao ser humano e cada vez mais influente na política de qualquer país, tem implicações profundas na democracia americana, sendo tão drasticamente influenciada pela polarização política. Quando os cidadãos evitam o confronto com crenças contraditórias ou concentram-se apenas em narrativas que reforçam posições preexistentes, contribuem para um ambiente onde o diálogo democrático e a coesão social são enfraquecidos.