A três semanas das eleições legislativas, IL, BE, PS, Chega e Livre são os protagonistas de mais três debates, demarcados pela definição do voto útil e por confrontos ideológicos.
IL vs BE
Sondagens mostram que a Iniciativa Liberal e o Bloco de Esquerda são dos mais populares nas camadas jovens. Num debate em que se discordou em quase tudo, observou-se preparação e muitas estatísticas.

As divisões entre Mariana Mortágua e Rui Rocha começaram desde o primeiro tema, a crise da habitação. O líder da IL começou por atacar a abordagem do Bloco, “que diz que o problema está nos não-residentes“, citando que este tipo de habitação “representa apenas 12% do mercado”, aproveitando também para mencionar imigrantes e alojamento local, e oferece soluções como a expedição dos processos, diminuição de impostos e reabilitação de edifícios devolutos do estado. Mariana Mortágua inicia também com estatísticas, esclarecendo que viviam menos pessoas em Portugal em 2022 do que em 2007 ou 2012 e, na altura, “não havia um problema da habitação”.
Assim, assume que “há dois problemas aqui que é preciso enfrentar”, o desvio da habitação para outros fins e o “mercado da Iniciativa Liberal”, onde as empresas de construção decidiram caminhos “mais rentáveis” do que habitação acessível, como hóteis. Acerca da proibição da venda de habitações a não-residentes, admite que não se trata de um problema de “nacionalidade” e, após Rui Rocha esclarecer que a proposta do Bloco é ilegal na União Europeia, assume que é necessário “mudar a lei”, citando os exemplos da Dinamarca e de Malta.
“Não se resolve o problema da habitação pondo portugueses contra portugueses.” – Rui Rocha
O segundo grande tema foi a banca. Para Mariana Mortágua, “não é justo que os bancos estejam a apresentar lucros milionários“, e volta a referir a proposta de controlo de taxas no crédito à habitação. Rui Rocha contrapõe que o estado não deve “dar ordens a empresas”, preocupando-se “com a saúde, com a educação, com a justiça, com a defesa” e que “lucros privados, prejuízos privados”.
No tema da renacionalização de empresas como os CTT ou a REN, Rui Rocha ataca a proposta bloquista, questionando o plano do BE para pagar estes compromissos, ao que Mortágua relembra que iria custar “menos de metade do que a borla de 2,2 mil milhões de euros em IRC à banca“.

Na saúde, Rui Rocha defende o modelo de harmonia entre público e privado, com o exemplo da PPM (parceria público-privada) do hospital de Braga, que “era um hospital que funcionava”, e que por “enviesamento ideológico” foi revertido a público, onde agora conta com “piores condições, pior serviço, profissionais de saúde descontentes”.
Por outro lado, Mariana Mortágua acusa a IL de tratar da saúde como um “negócio”, atacando a regra do “dois por um” do partido, em que por cada dois funcionários públicos que se reformam, a Iniciativa Liberal defende a contratação de um. Menciona ainda os sistemas de saúde alemão e holandês, que tem maiores custos com menos qualidade.
Na última intervenção da noite, Rui Rocha admite que o programa eleitoral do BE é contraproducente e assim se tem “mais estagnação, mais problemas para os portugueses, mais imigração”, aprovando orçamentos de estado do PS e apoiando Pedro Nuno Santos. Mariana Mortágua acusa-o de querer “dar cheques ao privado“, numa discussão que ainda continuou mesmo depois das câmaras mudarem.
PS vs BE
O debate entre Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua foi uma luta por eleitorados que se sobrepõem. Ainda assim, as diferenças são mais do que as semelhanças, e em temas como a privatização, as medidas “radicais” do Bloco não se fizeram rever no programa eleitoral do PS.

Embora não exista coligação à esquerda, ambos os partidos garantem que um acordo escrito é uma possibilidade forte, com PNS (Pedro Nuno Santos) a relembrar a “geringonça” como “quatro anos de boa memória, onde se conseguiram fazer muitos avanços“. Mortágua é também otimista no assunto, porém dita que o acordo terá de ser escrito, pois “assim são escrutináveis e é assim que funciona a democracia”.
“Quando alguém olha para mim, evidentemente, sabe que há disposição para se construir uma solução de governo que não exclua o Bloco, com quem trabalhei vários anos (…)” – Pedro Nuno Santos
A concordância entre partidos continuou no tema da justiça, onde ninguém conseguiu garantir se mantinha ou não confiança na Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, depois da crise no governo regional da Madeira, mas admitindo-se que as explicações da mesma tinham sido “positivas“. No que toca às medidas dos partidos, o âmbito é mesmo que os processos sejam mais céleres, e como colocou Mariana Mortágua, “Há questões de morosidade da justiça que têm de ser resolvidas”, com menos custas judiciais e mais apoio judiciário para facilitar o acesso, e mais meios e melhores condições de trabalho para os trabalhadores.
As diferenças começaram a ser notórias no tema das privatizações, com o Bloco de Esquerda a defender que empresas públicas deveriam continuar públicas e o estado tem a responsabilidade de voltar atrás com as privatizações de, por exemplo, os CTT, a REN, a Galp e a EDP. O PS discorda, afirmando que “não é uma prioridade” e que “não podemos estar sempre a desfazer.“.
“Em primeiro lugar, uma questão de avaliação e de balanço. As privatizações em Portugal foram um desastre.” – Mariana Mortágua
Na saúde, Mariana Mortágua assumiu que “os privados já participam na saúde em Portugal”, e que o problema se concentra na drenagem de fundos do SNS para os mesmos. Assim, defendeu a valorização das carreiras dos profissionais de saúde e os regimes de exclusividade como possíveis respostas à crise.
Pedro Nuno Santos relembrou que o PS apresentou medidas como a dedicação plena com 43% do salário base, e que “foi aceite por 2000 médicos num só mês”, contrariando que o governo PS tenha “falhado“. Garante ainda que é necessária maior autonomia, mencionando o êxito das PPP (parcerias público-privadas), e que o foco é que o SNS se torne a melhor opção, “E então não será preciso recorrer a privados.”.
“Foi uma estratégia que falhou e são precisas novas soluções: um regime de exclusividade aceite pelos profissionais, aposta nas carreiras e salários para conseguir mantê-los no SNS” – Mariana Mortágua
O último grande tema do debate foi a crise na habitação, marcado também pelas claras diferenças na abordagem às politicas de venda a não-residentes, crédito à habitação, arrendamento, alojamento local e habitação pública. Aqui, o PS assume “posições mais equilibradas que o Bloco”, principalmente no rebate à proposta da deputada de “determinar uma política de mercado da Caixa Geral de Depósitos”, afirmando que é ilegal e detentores de ações não podem ditar procedimentos das empresas. No entanto, Mortágua aproveita para criticar a falta de medidas do anterior governo PS, ditando outros exemplo mundiais, e reiterando que “se a Califórnia pode fazê-lo, Portugal pode fazê-lo.

Nos minutos finais houve tempo para discutir o caso da Defesa e a meta de alocar 2% do PIB para os gastos no setor da defesa imposta pela NATO. PNS diz que “temos um compromisso com a NATO que devemos cumprir”, porém que este gasto também deve ser utilizado com a inovação na indústria em mente, para manter Portugal no lugar de “grande respeitabilidade” em que se encontra. Mariana Mortágua pede mais transparência no orçamento da Defesa, com uma “auditoria”, mais coesão e “cooperação” a nível europeu.
“[O gasto de 2% do PIB com a defesa deve ser feito] sempre com o objetivo de aproveitarmos essa despesa para investirmos e modernizarmos a nossa indústria.” – Pedro Nuno Santos
Aproveitando ter a última palavra no debate, Mariana Mortágua garante que “não vai haver uma maioria absoluta” e que para a estabilidade do país terá de existir um “entendimento com a esquerda”.
Chega vs Livre
No debate mais pessoal e anedótico até então, André Ventura e Rui Tavares falam para eleitorados distintos, e isso é notório ao analisar o conteúdo deste debate. Os candidatos falaram quase 17 minutos, mas apenas se discutiu superficialmente corrupção e habitação.

Rui Tavares iniciou o debate com um aparte acerca de uma fotografia tirada aos seus filhos dentro da escola dos mesmos, por se tratar de uma escola internacional, mencionando Pedro Frazão, deputado do Chega, que “começou a utilizar este argumento como arma de arremesso político e dá nestas coisas. Foi colocada em causa segurança de crianças.”. André Ventura questionou se a acusação seria que o Chega estivesse relacionado com a produção das fotos e Rui Tavares esclareceu que não, mas que o partido e os representantes “fomentam” este tipo de práticas.
Embora Rui Tavares quisesse encerrar o assunto, o líder do Chega aproveitou a oportunidade para demonstrar a “hipocrisia”, visto que embora os seus filhos estudassem em escolas privadas, o Livre defendia a opção única da escola pública.
“Isso é hipocrisia. (…) É a maior incoerência política que vi num debate.” – André Ventura
Este tom manteve-se no resto do debate, com os candidatos a trocarem acusações em quase todas as intervenções. No tema da corrupção, Rui Tavares aliou André Ventura a “Trump, Bolsonaro e Orbán“, elaborando que “Viktor Orbán é o político mais corrupto da Europa“. No entanto, Ventura defendeu que até o Papa agradeceu ao povo da Hungria pela sua resposta à crise dos refugiados, e atacou o líder do Livre por ser “amigo” de Cuba e da Venezuela, para além de ter trabalhado para George Soros, acusado de corrupção e “condenado por crimes financeiros”.
“O Chega faz parte do ‘farsismo’. É uma farsa. ‘Farsismo’ nunca mais.” – Rui Tavares
Na crise da habitação, André Ventura assumiu que o estado deve dar mais ajuda “a quem mais precisa”, como aos “jovens”. Em crítica ao Livre, diz que o partido de Rui Tavares “viabilizou todos os orçamentos do Partido Socialista”, sendo corrigido imediatamente. Ventura apresenta ainda que as medidas devem ser tomadas de forma a que o “crédito à habitação baixe“.
Rui Tavares relembra a medida do Livre de passar de taxas variáveis, definidas pela banca, para a taxa fixa nos créditos à habitação e acusa o Chega de não ter acompanhado a medida, para além de estar a “dar à banca o maior presente de todos“, um estado fiador. Aproveita para mencionar outra medida de comparticipação da entrada do valor da primeira habitação pelo estado, sugerindo que “pode ajudar milhares de pessoas”.