Findada a contagem dos votos dos círculos da emigração, confirma-se a vitória da Aliança Democrática (AD) nas eleições legislativas de 2024. Na passada quarta-feira (20), o líder da AD, Luís Montenegro, foi indigitado primeiro-ministro pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. A apresentação da composição do Governo será no dia 28 de março e a tomada de posse foi agendada para 2 de abril.
A nova configuração parlamentar
De acordo com a Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), a AD arrecadou 28,84% dos votos, elegendo 80 deputados para a Assembleia da República. O PS (Partido Socialista) foi o segundo partido mais votado, com 28% dos votos e 78 deputados. O Chega elegeu 50 deputados e consolida-se como terceira força política em Portugal. Segue-se a IL (Iniciativa Liberal) com 8 deputados, o BE (Bloco de Esquerda) com 5, a CDU (Coligação Democrática Unitária) e o Livre com 4 e o PAN (Pessoas Animais Natureza) com uma deputada eleita. A taxa de abstenção situou-se nos 40,16%, o valor mais baixo desde 1995.
Gráfico 1 – Resultados oficiais das eleições legislativas de 2024 (%).
Gráfico 2 – Distribuição de mandatos por partido.
Vitória tangencial da AD
A AD não obteve um resultado avassalador nestas eleições, mas foi suficiente para declarar a vitória. Aliás, a AD venceu o PS pela margem mais curta em democracia. Além disso, o resultado da AD não foi muito superior àquele que foi obtido pelo PSD e CDS-PP nas eleições legislativas de 2022.
No entanto, no discurso de vitória, Luís Montenegro referiu que não era necessário ter 50 mil votos a mais do que o PS. Um único voto bastava. Nesse mesmo discurso, o líder social-democrata reiterou o não ao Chega.
“Nunca faria a mim próprio, ao meu partido e à democracia portuguesa tamanha maldade que seria incumprir compromissos que assumi de forma tão clara” – Luís Montenegro
PS vai liderar a oposição
No início da noite eleitoral, Pedro Nuno Santos assumiu a derrota do PS nestas legislativas e garantiu que não iria inviabilizar um governo da AD. O líder socialista também deixou o aviso de que “o PS não vai deixar André Ventura liderar a oposição.”
Ainda que o resultado eleitoral estivesse aquém das expetativas, Pedro Nuno Santos assegurou que o partido “está unido, está forte e está coeso” e reconheceu que o resultado do Chega mostra que “há muitos portugueses zangados que sentem que não têm tido representação e aos quais não foi dada resposta aos seus problemas concretos”.
No final do seu discurso de derrota, o secretário-geral do PS citou Mário Soares: “Só é vencido quem desiste de lutar, nós não desistimos.”
Vamos ter muito combate pela frente, com a convicção que voltaremos a reconstruir uma maioria que nos permita governar Portugal” – Pedro Nuno Santos
Chega obtém resultado histórico
O partido de André Ventura obteve um resultado muito expressivo nestas eleições – quadruplicou o resultado obtido em 2022, elegendo cinquenta deputados. Além disso, o partido venceu no distrito de Faro. Desde 1991 que um partido exceto o PS e o PSD vencia um distrito. A última vez que tal tinha acontecido foi em Beja, onde a CDU venceu aquele círculo eleitoral.
Durante o discurso de vitória, André Ventura declarou que o bipartidarismo tinha acabado em Portugal e que o resultado do Chega “é uma clara mensagem do país a dizer assim nós não queremos maiorias absolutas, queremos um governo a dois.”
O Chega também teve um crescimento assinalável em distritos como Setúbal, Portalegre ou Beja, ficando à frente da AD. Distritos historicamente dominados pelos comunistas.
“O PCP perdeu para o Chega o deputado em Beja” – André Ventura
Liberais falham objetivo ambicioso
Durante a pré-campanha eleitoral, o presidente da IL, Rui Rocha, traçou uma meta “ambiciosa” para estas eleições antecipadas: alargar o grupo parlamentar para 12 deputados. No entanto, divulgados os resultados eleitorais, a IL ficou longe de alcançar o objetivo delineado, tendo elegido o mesmo número deputados que em 2022. Ainda assim, os liberais mantêm-se como quarta força política em Portugal.
O líder liberal antevê um cenário político difícil, mas assegurou que “não será pela IL que não haverá uma solução estável de governação”.
Este domingo (24), Rui Rocha admitiu que o partido tem a expetativa de integrar o governo que a AD está a formar, abrindo a porta a negociações com os sociais-democratas.
“Estaremos cá para assumir as nossas responsabilidades, para contribuir para as soluções, para tornar Portugal um país mais próspero.” – Rui Rocha
BE quer unir a esquerda
Depois do desastre eleitoral de 2022, a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, ambicionava recuperar alguns dos mandatos que tinha perdido nessas eleições. Contudo, os resultados ficaram muito aquém das expetativas, pois o partido elegeu o mesmo número de deputados da legislatura anterior, falhando, assim, o seu principal objetivo: obter uma maioria de esquerda no Parlamento.
Após a noite eleitoral, a líder bloquista anunciou que iria convocar reuniões com os partidos da esquerda parlamentar para analisar os resultados eleitorais que “mudaram a face política do país” e para debater convergências “na oposição ao Governo da direita” e na construção de uma alternativa.
“Os resultados da AD, a subida da extrema-direita colocam Portugal sob o risco de um retrocesso e uma ameaça aos direitos sociais” – Mariana Mortágua
Comunistas continuam em decadência
No dia 10 de março, a CDU perdeu a maioria dos bastiões que ainda lhes restavam para o Chega. De facto, os resultados eleitorais demonstram uma clara tendência de queda da CDU – se em 2022 tinham elegido seis deputados, este ano apenas elegeram quatro. Este é o pior resultado de sempre da CDU.
O líder da CDU, Paulo Raimundo, reconheceu a redução do grupo parlamentar, mas lembrou que o partido “continuará a constituir uma importante expressão de resistência”.
Três dias depois do ato eleitoral, o líder comunista anunciou que o partido irá apresentar uma moção de rejeição ao programa de Governo da AD.
“Não será pelo PCP que a direita implementa o seu projeto” – Paulo Raimundo
Livre conquista grupo parlamentar
A noite eleitoral culminou numa explosão de alegria na sede de campanha do Livre. Os resultados eleitorais ditaram um considerável crescimento do partido – juntam-se três novos deputados a Rui Tavares.
O porta-voz do Livre, no discurso de análise aos resultados, teceu várias críticas à direita, nomeadamente ao Chega, e afirmou que pretende “rebentar o balão” da extrema-direita.
“O Livre provou que há espaço para uma esquerda europeísta e verde” – Rui Tavares
PAN mantém deputada única
O partido desejava reconquistar o grupo parlamentar que tinha conquistado em 2019, mas que perdera em 2022. No entanto, isso não aconteceu. A porta-voz do partido, Inês Sousa Real, foi reeleita deputada pelo círculo eleitoral de Lisboa e foi a última líder dos partidos com representação parlamentar a ser eleita.
Inês Sousa Real garantiu que continuará a lutar pelas “causas que têm vindo a trabalhar como a proteção animal, social, os direitos humanos e sociais”. Com este mote, a líder do PAN distanciou-se da AD, afirmando que os sociais-democratas não acompanham o PAN nas causas que defende.
“Não viabilizaremos agendas políticas com soluções que vão contra os nossos valores” – Inês Sousa Real
A confusão entre a AD e o ADN
Antigamente denominado por Partido Democrático Renovador, o partido mudou de nome para evitar confusões com partidos como o PNR (atualmente denominado Ergue-te). No entanto, a confusão repetiu-se com a AD.
Durante a votação do dia 10 de março, começaram a surgir casos de eleitores que votaram no ADN, quando pretendiam votar na AD. O que é certo é que o partido multiplicou por dez a votação que obteve em 2022, obtendo pouco mais de 100 mil votos.
Durante a campanha eleitoral, tinha sido identificada a possibilidade de um mal-entendido entre o ADN e a AD. De facto, diversas sondagens tinham vindo a revelar um drástico crescimento do ADN. O líder da AD, Luís Montenegro, pronunciou-se várias vezes sobre o assunto, apelando à intervenção da Comissão Nacional de Eleições (CNE). Do outro lado, o ADN decidiu apresentar uma queixa à CNE contra AD por interferência eleitoral.
Todavia, a CNE recusou a discussão de eventuais problemas associados aos boletins de voto com parecenças entre as denominações dos partidos AD e ADN.
Condições de governabilidade muito estreitas
Com base no novo quadro parlamentar, o somatório de deputados da AD com os da IL não é suficiente para alcançar uma maioria absoluta. De facto, a AD teve um ligeiro crescimento face aos resultados obtidos pelo PSD, CDS e PPM nas eleições de 2022. Por outro lado, a IL manteve o número de deputados que tinha na legislatura anterior. Portanto, uma aliança parlamentar entre a AD e a IL não é uma hipótese.
A única hipótese à direita que permitiria a tal maioria absoluta seria uma aliança entre a AD e o Chega que, em conjunto, somariam 130 deputados. Ainda que o presidente do Chega, André Ventura, tenha vindo a insistir nesta solução, Luís Montenegro reafirmou que não haverá qualquer acordo com o Chega.
Um bloco central entre a AD e o PS também seria uma hipótese. No entanto, durante a noite eleitoral, o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, afirmou que o PS lideraria a oposição, recusando, deste modo, uma aliança com a AD.
Sem um apoio maioritário no Parlamento, Montenegro poderá governar por decreto, evitando, a todo o custo, idas ao Parlamento. Governar por decreto consiste na aprovação de medidas que não precisam de ser apresentadas à Assembleia da República. De qualquer forma, os restantes partidos com assento parlamentar podem solicitar a apreciação destas medidas no Parlamento, mas, se as quiserem reprovar, terão sempre de apresentar uma proposta alternativa.
Os restantes partidos de esquerda já expressaram a sua indisponibilidade para constituir uma solução governativa com a AD.
Apresentação de um Orçamento Retificativo
Na passada terça-feira (19), à saída de uma audiência com o Presidente da República, Pedro Nuno Santos garantiu que o PS poderá viabilizar um eventual Orçamento Retificativo apresentado pelo Executivo da AD. Além disso, o líder socialista mostrou-se disponível para encontrar, em conjunto com a AD, uma solução que permita resolver problemas de vários setores da administração pública.
“Seremos uma oposição responsável. O PS não votará documentos ou iniciativas legislativas de matérias com os quais não concorda” – Pedro Nuno Santos
André Ventura também manifestou a disponibilidade do Chega para viabilizar um Orçamento Retificativo se acolher as reivindicações das forças de segurança e da classe docente e se diminuir os impostos.
“Se o orçamento retificativo se cingir em matéria de correção ao outro orçamento do PS a três ou quatro pontos, o Chega está aberto a verificar a possibilidade de o avaliar” – André Ventura
Do outro lado, Luís Montenegro disse ter visto “com satisfação” o “sentido de responsabilidade” do PS para viabilizar um Orçamento Retificativo no curto prazo.
Segundo o programa eleitoral da AD, sabe-se que os sociais-democratas defendem “a prioridade estratégica e orçamental de resolver as carências mais dramáticas de um conjunto de profissões essenciais dentro do Estado”. Ainda assim, não se sabe se Luís Montenegro pretende destrunfar estas medidas a curto prazo ou se pretende guardá-las para o Orçamento do Estado para 2025.
OE25: teste de sobrevivência ao Governo da AD
O secretário-geral do PS referiu que é “praticamente impossível” que um Orçamento de Estado apresentado pela AD obtenha um voto favorável do PS. Pedro Nuno Santos acrescentou que um orçamento geral do Estado é geralmente um reflexo do programa eleitoral, pelo que o da AD e o do PS são “muito diferentes”.
“O líder da AD disse numa entrevista durante a campanha que a distância do programa do PS com a AD era tanto que não se via a viabilizar um Governo no Partido Socialista. Nós achamos o mesmo.” – Pedro Nuno Santos
O socialista também entende que o se o PS estivesse comprometido com a governação da AD, nunca conseguiriam liderar a oposição.
A soma dos deputados do PS, BE, CDU, Livre e PAN (92 deputados) é superior à soma dos deputados da AD com os da IL (88 deputados). Logo, para que o Orçamento de Estado para 2025 seja aprovado, é necessário que o Chega vote favoravelmente (a abstenção é insuficiente). Contudo, André Ventura tem vindo a insistir que isso não irá acontecer sem um acordo prévio com a AD.
O impasse na eleição do Presidente da AR
Na passada terça-feira (26), a XVI legislatura arrancou com a eleição do Presidente da Assembleia da República. Na primeira votação, o PSD indicou o nome de José Pedro Aguiar-Branco (candidato único) para concorrer à presidência da AR, mas acabou por não ser eleito.
A não eleição do candidato social-democrata levou o plenário a seguir para uma segunda votação. Para além de Aguiar-Branco, Francisco Assis (PS) e Manuela Tender (Chega) também entraram na corrida à presidência da AR. No entanto, o impasse voltou a repetir-se, pois nenhum dos candidatos conseguiu reunir os 116 votos necessários para ser eleito.
Seguiram, para uma terceira votação, os dois candidatos mais votados: o candidato do PSD e o do PS. Nesta nova tentativa da eleição do Presidente da AR, o bloqueio manteve-se devido aos votos em branco do Chega.
O Presidente da AR em exercício, António Filipe (PCP), anunciou que a eleição se repetiria “ad eternum” até que um dos candidatos reunisse a maioria dos votos. A quarta votação foi marcada para o dia seguinte (27).
Nesta tentativa, os sociais-democratas voltaram a indicar Aguiar-Branco, e o Chega indicou o nome do deputado Rui Paulo Sousa. Ao fim de quatro votações e após um entendimento entre o PS e o PSD para uma presidência dividida, Aguiar-Branco foi eleito Presidente da AR, com 160 votos a favor.
De seguida, procedeu-se à eleição dos vice-presidentes da AR. Os nomes apresentados pelo PSD (Teresa Morais), PS (Marco Perestrello), Chega (Diogo Pacheco de Amorim) e IL (Rodrigo Saraiva) foram todos aprovados.
Gráfico 3 – Resultados de cada votação para a Presidência da Assembleia da República.
A nova configuração parlamentar traduz-se num cenário de instabilidade e de incerteza política em Portugal. Antevê-se uma governação difícil para os sociais-democratas, que requererá uma enorme abertura de diálogo com todos os partidos com representação parlamentar, tanto à esquerda como à direita. Além disso, Luís Montenegro terá a possibilidade de aproveitar o excedente orçamental deixado pelo último governo socialista para responder urgentemente às reivindicações das classes da administração pública.