Eduardo Beltrão

Sou estudante do primeiro ano da licenciatura em Economia e membro do Departamento Financeiro da APA

Após a recente invasão da Ucrânia pela Rússia que abalou o mundo por completo, analistas por toda a Europa procuram compreender o futuro do mercado e a dependência da União Europeia (UE) em relação ao petróleo e gás natural russo. Diante disso, muito se discute a transição para uma economia mais sustentável, verde e independente das amarras dos russos, abrindo assim as portas para maiores parcerias com outros atores no xadrez geopolítico global.

Exemplo disso é a África e a América do Sul, regiões de muita produção e exportação de commodities, constituindo uma forte alternativa ao país de Putin. Atualmente, 27% das importações de petróleo, 47% de carvão e 41% de gás natural da União Europeia vêm da Rússia, o que ilustra a forte dependência e a frágil situação.

Perante tal cenário, levantam-se duas grandes questões: Como é que os países africanos reagiram e reagem à guerra na Europa? Quais são os principais impactos diplomáticos e políticos que podem vir a ocorrer?

Da cimeira da União Europeia com a União Africana (EU-AU Summit), que decorreu em fevereiro deste ano, resultou a celebração do Global Gateway Project, que estabeleceu um investimento da União Europeia de 150 mil milhões de euros no continente africano, nos próximos 7 anos. “Com este novo pacote, queremos catalisar investimentos em três categorias. A primeira, claro, é a nível da infraestrutura. E aí, a prioridade máxima é a energia. O caminho para as energias renováveis ​​e, claro, a transição para as energias renováveis. Porque todos sabemos em primeira mão que o desenvolvimento económico sustentado depende do acesso confiável à energia. África tem energia solar, eólica e hidrelétrica em abundância. Então, vamos aproveitar isso”, afirmou a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no discurso de abertura da cimeira.

Em termos de repreensão à invasão territorial por parte da Rússia, os países africanos assumiram diferentes posições. O representante permanente do Quénia nas Nações Unidas, Martin Kimani, assumiu uma postura condenatória, em relação ao irredentismo e expansionismo russo. Alertou ainda para a postura de Putin de relativização e desrespeito do Direito Internacional, de modo a poder atacar.

Por sua vez, a África do Sul recorreu, ponderadamente, à Carta das Nações Unidas e clamou pela paz e a União Africana urgiu um cessar-fogo e a preservação da paz mundial. No mesmo sentido, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, que engloba quinze países da África Ocidental, também repudiou a agressão. Mais a litoral, seguindo uma via contrária e revisionista, a Nigéria declarou acreditar que a invasão à Ucrânia é uma “operação militar especial”, evitando aprofundar e repreender a atitude, assumindo um caráter renitente.

Apesar da condenação de diversos países das Nações Unidas da agressão russa, 17 países africanos abstiveram-se, entre os quais a África do Sul, o Senegal, o Uganda e o Mali. Em contrapartida, 28 foram favoráveis à condenação. Por sua vez, 8 países não votaram, como é o caso de Marrocos e o único que se opôs foi a Eritréia. Contudo, diante de tal hesitação, temos de compreender os fatores que levaram a tal decisão.

O Kremlin aproveita-se da fragilidade política, contexto ditatorial e ressentimento pós-colonial e histórico destes territórios para expandir o seu poder normativo

Através da sociedade Wagner (organização paramilitar russa), uma figura próxima de Putin, a Rússia procura expandir a sua influência no continente africano como uma zona anti-ocidental, tendo fortes laços em países como a nova junta do Mali, a Líbia, o Sudão, a República Centro-Africana e Moçambique. Desta forma, o Kremlin aproveita-se da fragilidade política, contexto ditatorial e ressentimento pós-colonial e histórico destes territórios para expandir o seu poder normativo.

Por exemplo, é noticiada a presença de mercenários do grupo Wagner em conflitos na República Centro-Africana e no Mali. Em concomitância, mais a norte, a Rússia foi bem-sucedida no estabelecimento de parcerias militares e económicas e no fornecimento de Inteligência e suporte militar para países como Argélia, Egito e Marrocos. Ou seja, a Rússia é uma realidade atraente para certos chefes de Estado africanos, como fator de equilíbrio e de contraposição ao que é considerado de “normal” e aceitável pelo Ocidente.

Numa análise à influência russa feita pelo Council on Foreign Relations e pela academia Africana lê-se: “Nos cantos da academia africana, se não entre uma secção transversal do grupo de intelectuais do continente, a simpatia subsiste por um país que (na sua encarnação soviética anterior) apoiou os movimentos de «libertação» africanos e forneceu um equilíbrio à hegemonia americana.”

Em termos de personalidades declaradamente favoráveis, vemos o ex-Presidente da África do Sul, Jacob Zuma, a afirmar que o presidente Vladimir Putin é um homem de paz e que a sua decisão é “justificável”. Além de Zuma, o Tenente-General Muhoozi Kainerugaba, filho do presidente da Uganda, afirmou no Twitter que “A maioria (não branca) da humanidade deseja a posição da Rússia na Ucrânia” e que “Putin tem toda a razão!”, além de comentários revisionistas e críticos ao ocidente. Ao lado do general sudanês Mohamed Hamdan “Hemeti” Dagolo, o General Kainerugaba apoiou publicamente a invasão.

A mudança no xadrez geopolítico e comércio mundial pode elevar o estatuto de África como produtora e exportadora de commodities e permite mitigar problemas decorrentes do atraso de desenvolvimento, causados pela pandemia

Em relação à reação económica africana e com base na análise da situação de Angola, compreende-se que o aumento do preço do petróleo por causa da guerra irá robustecer os cofres do Estado. Segundo o Jornal de Negócios, o petróleo representa 95% das exportações, vale mais de 30% do PIB Angolano e as receitas provenientes deste recurso cobrem 60% das despesas do país. Assim, o continente poderá desempenhar um papel decisivo na diversificação da produção e fornecimento deste recurso natural a nível mundial.

“As tendências atuais na indústria de petróleo e gás podem levar ao estabelecimento de novos centros de influência geopolítica, o que conduzirá a grandes quantidades de investimento para exploração em África”, referiu Leôncio Amada Nze, presidente da African Energy Chamber, à Quartz Africa. Isto significa que a mudança no xadrez geopolítico e comércio mundial pode elevar o estatuto de África como produtora e exportadora de commodities e permite mitigar problemas decorrentes do atraso de desenvolvimento, causados pela pandemia.