Desemprego médico: um paradigma atual

Existem 2 visões distintas na sociedade acerca da quantidade de médicos. Uma afirma que existe excesso, enquanto que a outra aponta para o défice. Ambas estão certas, sendo verdade para 2 universos diferentes. Passo a explicar:

Faltam médicos no Serviço Nacional de Saúde. É verdade que há escassez de médicos no Interior e no Sul, assim como existe uma assimetria considerável na distribuição das diferentes especialidades médicas pelo país. Para se ter noção, existem cerca de 26 960 médicos no SNS, sendo  8 515 destes médicos internos, ou seja, médicos em formação pós-graduada, em vias de obtenção da especialização em alguma área,necessária para a correta aprendizagem e aperfeiçoamento da prática clínica.

Por outro lado, Portugal encontra-se, devo dizer, muito bem nos rankings no que diz respeito aos rácios nº de médico/habitante. Segundo a OCDE, Portugal é o 4º país com mais médicos do grupo, existindo 4,3 médicos por cada mil habitantes, num total de cerca de 43 mil, sendo que desses apenas cerca de 27 mil estão no SNS… O que é revelador da heterogeneidade da distribuição dos médicos existentes no país.

Onde reside então o problema? Aceitam-se demasiados estudantes no curso de Medicina para a capacidade de formação pós-graduada atual do SNS. No que à tutela diz respeito, está errada a visão dos últimos governos na saúde, que se reflete no “engarrafamento” de estudantes no final do sexto ano que ficam, portanto, sem acesso à formação pós-graduada. Desenganem-se, é impossível fazer “mass production” de médicos de qualidade. Grupos de trabalho desenvolvidos para o efeito apontam para uma capacidade de formação de cerca de 1200 estudantes de Medicina por ano. No entanto, ingressam anualmente cerca de 1800 estudantes a nível nacional. O rácio aluno-tutor chega a atingir níveis de 18,5:1! E quanto perde o Estado Português por cada diplomado que emigra? Cerca de cem mil euros.

Como resolver? Mudar a visão que se tem perante a saúde e os profissionais de saúde no geral. Ao comprometer desta forma a formação médica estamos a comprometer os cuidados de saúde no futuro. Contratar mais médicos para o serviço público e diminuir as entradas a nível do ensino superior. E não, não somos uma classe privilegiada, de todo. Estudar 6 anos e, no final, habilitarmo-nos a ficar num limbo, ser “médico indiferenciado”, é muito ingrato.

Devolva-se a esta profissão a dignidade que ela merece. É verdade que a sociedade só se lembra dos médicos quando necessita deles, no entanto, quando os médicos necessitam da sociedade para poderem sequer exercer, muitas das vezes com condições de trabalho abaixo do aceitável, são-lhes viradas as costas. Queremos mesmo pôr a nossa saúde em risco?