Sistema eleitoral proporcional: Melhor solução para Portugal?

A reforma do sistema eleitoral é algo de que se tem vindo a falar há já largos anos na política portuguesa, como solução para o descontentamento dos cidadãos com a política. Tradicionalmente, são dois os grandes objetivos do sistema eleitoral: garantir, por um lado, a proporcionalidade, permitindo a representação dos pequenos partidos e das forças minoritárias na sociedade e, por outro, garantir condições de estabilidade governativa. Portugal, apesar de ser uma democracia jovem, possui um sistema que funciona, tanto ao nível da proporcionalidade como da governabilidade. Portanto, os arranjos institucionais que poderão ser melhorados devem incidir acima de tudo na questão da representatividade.

Em primeiro lugar, o sistema português tem sido capaz de gerar governos estáveis e duráveis. Produziu, aliás, maiorias absolutas de um só partido, à esquerda e à direita, situação relativamente rara em sistemas de representação proporcional. Embora no período 1975-1987 tenha tido uma grande instabilidade dos governos, de 1987 para cá tem-se registado um nível de estabilidade governativa convergente com os padrões europeus mais usuais. Desde a consolidação da democracia, com a revisão constitucional de 1982, Portugal teve onze governos constitucionais. Espanha, por exemplo, teve nove governos no mesmo período, enquanto que a Alemanha e a Áustria tiveram doze. O reino unido, com um sistema eleitoral muito diferente de Portugal, teve um número semelhante de governos. Fica, portanto, demonstrado, que o sistema eleitoral português não só não contribuiu para a instabilidade governativa, como está perfeitamente em linha com países europeus com arranjos institucionais substancialmente diferentes.

No que concerne à proporcionalidade, cabe realçar a necessidade de manter o compromisso com o pluripartidarismo, num país que sofreu com a ditadura e que, em 1976, visou a todo o custo garantir que todas as posições políticas se pudessem marcar na Assembleia da República, incluindo a possibilidade de coligações. A grande vantagem do sistema proporcional é primordialmente esta: parlamentos ideologicamente muito equilibrados, com o surgimento de estruturas de representação de minorias da sociedade. Neste quadro, descarta-se a hipótese de introdução de cláusulas barreira como acontece, por exemplo, na Alemanha, em que nenhum partido que obtenha menos de 5% dos votos tem direito a eleger deputados, por forma a evitar dispersão de partidos no Parlamento. No contexto português, a existência de 230 deputados num parlamento eleito através de um sistema eleitoral proporcional segundo o método de Hondt, permite garantir que os pequenos partidos também são representados, pelo que a adoção de cláusulas barreiras traria como consequência imediata a penalização dos partidos mais pequenos, designadamente o PAN.

Além disso, convém relembrar a rigidez com que a própria constituição colocou o sistema eleitoral proporcional dentro dos limites materiais da revisão (art. 288, nº2), constitucionalizando, ao mesmo tempo, não apenas o princípio de representação proporcional, como também o próprio método de Hondt.

Seguidamente, é indubitável a ânsia por uma democracia de proximidade em Portugal. É cada vez mais unânime na sociedade que é indispensável promover a possibilidade de intervenção mais direta dos eleitores, designadamente através da alteração da estrutura de voto de listas fechadas. Embora tenha feito todo o sentido na transição democrática, é hoje um anacronismo no contexto europeu que urge superar. Seguindo uma estrutura desde tipo, constrange-se o eleitor à vontade dos diretórios partidários, os quais detêm, segundo a Constituição, o monopólio da apresentação de candidatos à Assembleia da República. Na prática, isto significa que os partidos políticos determinam a ordem dos candidatos a deputados, restando ao eleitor a escolha ao nível interpartidário. Deste modo, a personalização do voto surge como uma possível solução, na medida em que permitiria aos cidadãos escolher os candidatos com base nas características pessoais que garantam, por um lado, o cumprimento das promessas eleitorais e, por outro, a capacidade de responder aos desejos concretos do eleitorado ao longo do mandato. Note-se que não se trata de um experimentalismo, na medida em que o sistema proporcional de listas tem vindo a ser aplicado com sucesso em vários países europeus de dimensão próxima a Portugal, como a Áustria, Bélgica, Holanda, Noruega e Suíça.

No quadro da representatividade, há ainda que realçar que a Constituição abre a porta para que, no futuro, a lei eleitoral seja alterada e passe a “determinar a (co)existência de círculos plurinominais e uninominais”. Não se trata de permitir a substituição do sistema de representação segundo a fórmula proporcional pela forma de escrutínio maioritário com base em círculos uninominais em que é considerado eleito o candidato que obteve maior número de votos. A abertura aos círculos uninominais, tradicionalmente ligados aos sistemas eleitorais maioritários, teria no sistema português uma função de complementaridade relativamente aos círculos plurinominais.

Finalmente, é importante frisar que o sistema eleitoral é um dos alicerces do sistema político, pelo que alterações na lei eleitoral terão repercussões no sistema de governo, na organização do parlamento e na estrutura partidária. Desta forma, parafraseando Ralf Dahrendorf, “o que somos chamados a fazer em democracia é, acima de tudo, manter a possibilidade de revisitar as instituições políticas, uma vez que essa constitui seguramente a grande virtude do regime democrático: introduzir mudanças graduais sem recorrer a revoluções, desenvolver e melhorar as instituições políticas, sem ter a necessidade de substitui-las permanentemente”.