No mês de março de 2022, 6793 alunos de 224 escolas portuguesas foram testados acerca dos seus conhecimentos em matemática, leitura e ciências. Nesta oitava edição do PISA (Programme for International Student Assessment), os resultados voltam a preocupar a comunidade educativa internacional devido à queda generalizada na prestação dos alunos.
O que é o PISA?
O PISA é um programa internacional que visa o estudo do desempenho académico de alunos de 14 anos, matriculados pelo menos no 7.º ano de escolaridade, em 81 países, desenvolvido pela OCDE desde 2000. Num regime trienal os alunos avaliados nas áreas de literacia em leitura, literacia em ciências e literacia em matemática, sendo escolhido um domínio central no qual se baseiam os problemas apresentados (no caso de 2022, a matemática,
“Com ênfase no raciocínio matemático de modo a destacar a sua importância na resolução de problemas complexos na vida real”. – PISA 2022
Os resultados são depois distinguidos em seis níveis de proficiência, dependendo da capacidade do aluno de obtenção de informação, resolução de problemas e reflexão e abstração. Daqui surgem as classificações de low performers, ou seja, alunos cujo nível é inferior a 2, e top performers, cujo nível é superior a 5.
Exemplos de questões do PISA 2022. Fonte: IAVE
Para além dos itens do teste, os alunos, encarregados de educação, professores e diretores das escolas são sujeitos ainda a um questionário acerca das condições socioeconómicas, de forma a contextualizar os resultados e identificar os principais fatores que afetam o desempenho dos alunos.
No ano de 2022 foram iniciados mais dois estudos de apoio ao PISA, sobre a literacia financeira e o pensamento criativo dos alunos. O IAVE estima que estes resultados apenas estejam disponíveis em 2024.
Os testes e questionários são realizados em computador, com várias versões, onde cada um dos itens está referenciado numa matriz que identifica o conteúdo, o processo cognitivo, o contexto real e o grau de dificuldade subjacentes ao item.
Como se comportaram os alunos?
Os resultados do PISA 2022 descrevem um decréscimo em relação ao PISA 2018 nos domínios da matemática e leitura, permanecendo inalterados (perda de 7 pontos não significativos) em relação às ciências. Mais concretamente, na matemática a média de pontuações localiza-se nos 472, menos 21 pontos que na edição de 2018. Este resultado corresponde exatamente com a média da OCDE, embora a queda tenha sido ligeiramente maior em Portugal comparativamente aos 15 pontos da OCDE. Já na leitura, as pontuações rondam 477, uma descida de 15 pontos, também verificada no contexto internacional, com um decréscimo de 10 pontos entre os 476 deste ano e os 486 de 2018. Por último, em ciências, os resultados ficaram nos 484, menos 17 pontos significativos em relação a 2018. Nos restantes países a média foi de 485, mostrando resultados muito semelhantes.
Gráfico de performance no PISA. Fonte: IAVE
Como se pode verificar, na edição de 2022, as pontuações portuguesas correspondem à média da OCDE, ficando a par de países como a Lituânia (475 pontos), a Alemanha (475 pontos), a França (474 pontos), a Espanha (473 pontos), a Hungria (473 pontos), a Itália (471 pontos), a Noruega (468 pontos) e os Estados Unidos da América (465 pontos).
Neste mesmo ranking verifica-se que os países com melhor prestação são Singapura (575 pontos), Macau e o Taipei. O primeiro país da união europeia é a Estónia, em sexto lugar.
Top 36 países no PISA. Fonte: IAVE
No entanto, o dado mais interessante verifica-se na diferença entre os resultados. Historicamente, os resultados oscilam na ordem do 4 a 5 pontos, porém a edição de 2022 apresentou variações de 15 a 20 pontos. Esta variação é o efeito mais claro da pandemia de COVID-19 na educação.
Sexo: Será a diferença muito significativa?
Embora o desempenho de ambos os sexos tenha diminuído de forma equivalente, entre 2018 e 2022, observam-se diferenças que ocorrem principalmente nos domínios da matemática e da leitura. A ciências os resultados não têm diferenças muito significativas.
Na matemática, os alunos de sexo masculino obtêm uma classificação superior em 10 pontos aos alunos de sexo feminino, consistente ao longos dos anos e também com o resto dos países participantes. Os rapazes superaram as raparigas em 40 dos países e economias, sendo que 24 não encontraram diferenças significativas e nos restantes 17 as raparigas tiveram melhor prestação.
Diferenças de pontuações no domínio da matemática, em Portugal. Fonte: IAVE
A situação inversa revela-se na leitura, onde as alunas obtiveram, em média, mais 21 pontos que os alunos, tendência que também se tem vindo a verificar em Portugal e na OCDE. No entanto, o caso torna-se mais extremo, pois dos 81 países participantes, apenas em 2 os rapazes obtiveram uma prestação igual ou superior às raparigas neste domínio.
A propósito dos low performers, as percentagens são semelhantes na matemática (29% das raparigas vs. 31% dos rapazes). Na leitura, os rapazes passam à frente, com 27% com uma classificação igual ou inferior a 2, enquanto que nas alunas são apenas 19%.
No que toca aos top performers, o desempenho a matemática é melhor nos rapazes (8% contra 5%), sendo que na leitura as percentagens são semelhantes.
Níveis de proficiência por sexo no domínio da leitura, em Portugal. Fonte: IAVE
A (importante) influência dos estatutos socioeconómicos
Já no debate entre escolas públicas e privadas, o PISA demonstrou que este fator não leva a diferenças de performance significativas, visto que em qualquer um dos domínios os resultados obtidos foram semelhantes. Porém, o estatuto socioeconómico dos alunos explica uma grande variação de performance. Por exemplo, na matemática, a diferença é de 18,5%, sendo que os participantes com um estatuto socioeconómico superior obtiveram, em média, mais 101 pontos no PISA.
Quando se avaliam estes resultados à luz do conceito de interseccionalidade, isto é, o estudo de como as diferentes identidades sociais se sobrepõem e afetam indivíduos e comunidades, destacam-se claras desvantagens para certos grupos. Por exemplo, os alunos imigrantes de 1ª ou 2ª geração foram comparados com os alunos não-imigrantes de duas formas diferentes. Primeiramente sem contextualização socioeconómica, onde se observou que os alunos imigrantes pontuaram em média menos 32 pontos que os não imigrantes a matemática, e menos 22 pontos na leitura. Tendo em conta o perfil socioeconómico, a diferença na matemática mantem-se, com 25 pontos, e na leitura com 15 pontos.
Existe ainda um tipo de caracterização que provém do PISA e indentifica o denominado “aluno resiliente“.
“Segundo o PISA, os alunos resilientes são aqueles que apesar de estarem no primeiro quartil
(bottom quarter) do índice do estatuto socioeconómico e cultural, apresentam resultados no
último quartil no seu país (top quarter).” – Relatório PISA 2022, IAVE
Em 2022, a matemática, este tipo de alunos perfez 9,4% na matemática, 11,4% nas ciências e 12.1% na leitura. A ciências e leitura as médias portuguesas são superiores às da OCDE, sendo inferiores em matemática.
A vida dos alunos na escola e o apoio familiar em casa
Embora as médias de satisfação na vida pessoal e escolar tenha descido em toda a OCDE, Portugal ainda apresenta valores superiores à média. Assim, numa escala de 0 a 10 (em que 0 será nada satisfeito e 10 completamente satisfeito), a média portuguesa foi de 7,06, descendo de 7,13 em 2018.
Portugal foi também um dos países em que se verificou um maior sentido de pertença à escola, com 82% dos alunos a responderem afirmativamente, e maior facilidade em criar amizades. Na avaliação da segurança na escola e no caminho para a mesma, apenas 5,7% dos alunos se revelaram não sentir seguros.
Nas escolas o bullying continua a ser um problema, porém os dados revelam que tem vindo a diminuir. Particularmente em Portugal, o segundo país com menor índice destas ocorrências no estudo, 91% dos alunos afirmaram nunca ou quase nunca ter sido ameaçados por outrem.
Em casa, os alunos portugueses são os segundos mais apoiados pela família, cenário que foi avaliado pelo interesse dos pais na performance académica dos filhos, a sua disponibilidade em casa e tempo livre passado em família. Por exemplo, enquanto em Portugal 84,4% dos jovens jantam sempre ou quase sempre em família, a média na OCDE é de 65,2%, ou 49% dos país portugueses mostram interesse nas relações sociais dos filhos, enquanto que esse valor desce para 28,9% na média.
Percentagem de alunos portugueses segundo a frequência com que realizam atividades com os pais ou alguém da família – Portugal e OCDE. Fonte: IAVE
Diferenças regionais
O estudo PISA analisa também as variações na performance dos alunos consoante a sua localização geográfica dentro de um mesmo país. No caso português, em qualquer um dos domínios, a região centro obteve as melhores prestações. Por outro lado, a Região Autónoma dos Açores e a região do Algarve foram com as prestações mais baixas. No caso da matemática, por exemplo, o centro teve uma pontuação média de 481, enquanto os alunos dos Açores pontuaram, em média, 408.
Prestação dos alunos a matemática (azul), ciências (verde), e leitura (laranja), por localização geográfica. Fonte: IAVE
Possíveis explicações para a queda nos resultados
Assim quebra-se a tendência de subida da proficiência, que ocorria desde o início da administração destes testes. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas explica a queda com a aprendizagem sob o regime de COVID-19:
“A queda foi muito motivada pela pandemia. Não se compreenderia era se os resultados a nível nacional e a nível internacional fossem mais positivos.”
De facto, esta teoria pode ser sustentada pelos questionários que acompanharam o PISA, que revelam que 72% dos alunos tinham aulas regulares lecionadas por um professor da escola, em tempo real, e cerca de 66% sentem-se confiantes para acompanhar a matéria no caso de um novo encerramento da escola. 17% dos alunos tinham ainda dificuldades em encontrar apoio para o estudo durante o confinamento.
No entanto, para Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares (ANDE), “São resultados que não têm tendência a melhorar com a falta de professores, a falta de estímulos para a formação de novos professores e a desmotivação da classe docente”, sendo necessário em esforço “para ter docentes capazes à frente dos alunos e com uma carreira que lhes permita ter futuro”.
Outro motivo que poderá justificar a queda de desempenho serão as mudanças implementadas pelo ministro Nuno Crato, diz Joaquim Pinto, da Associação de Professores de Matemática, “É o primeiro PISA em que 100% dos alunos que o realizaram tiveram o anterior programa, o das metas curriculares (instituídas por Nuno Crato em 2012), como documento que lhes foi leccionado”. Para Isabel Hormigo, da Sociedade Portuguesa de Matemática, a situação é preocupante e poderá ficar pior devido às mudanças mais recentes, como a abolição de algumas provas finais de ciclo e da “simplificação do currículo, reduzindo-o a umas Aprendizagens Essenciais (2018), pouco rigorosas e pouco estruturadas“.
A falta de professores qualificados também se fez sentir por toda a OCDE, tendo em conta que 70,4% dos professores participantes no estudo tinham apenas a licenciatura. Para além disso, 62% dos diretores escolares portugueses reconhecem que a capacidade de ensino era prejudicada pela falta de pessoal docente.
Apesar dos contratempos, ainda há muita esperança. Para Filinto Lima, “Cada escola está a arranjar estratégias de recuperação dos constrangimentos da pandemia. Os resultados dos novos testes do PISA irão melhorar a não ser que suceda outro cataclismo. Esse trabalho [de recuperação] irá ter reflexos no PISA daqui a dois anos.”. O diretor e dos restantes responsáveis pela educação em Portugal concentram-se, agora, no futuro, deixando apelos ao governo português para que os ajude na sua missão, revitalizando as carreiras de professor e repensando os programas letivos.
Editado por Inês Silva