A “Operação Influencer” refere-se a uma investigação em curso, ordenada pelo Ministério Público, sobre possíveis casos de corrupção, praticados entre 2018 e 2021, em negociações que envolvem membros do governo português. Em consequência do processo, o primeiro-ministro demitiu-se no dia 7 de novembro.

António Costa apresentou a demissão a 7 de novembro. Fotografia: Leonardo Negrão/Global Imagens

No passado dia 7 de novembro de 2023, o Ministério Público ordenou buscas em 42 locais, incluindo o gabinete do primeiro-ministro, o ministério do Ambiente e Ação Climática, e o ministério das Infraestruturas, para investigar a corrupção ativa e passiva, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder, branqueamento e má conduta em quatro negociações: duas concessões para minas de lítio no norte de Portugal, um consórcio de hidrogénio verde e um projeto para um centro de dados, ambos em Sines

No primeiro dia de buscas, foram detidas cinco pessoas para interrogatório: Diogo Lacerda Machado, Afonso Salema, Rui de Oliveira Neves, Nuno Mascarenhas e ainda Vítor Escária, chefe de gabinete do primeiro-ministro. Foram constituídos para arguidos João Galamba, à data ministro das Infraestruturas, Nuno Lacasta, João Tiago Silveira e a empresa Start Campus.

Os arguidos e os crimes cometidos

Vítor Escária era chefe de gabinete de António Costa. Fotografia: D.R.

Vítor Escária foi conselheiro económico nos governos de António Costa e de José Sócrates, demitindo-se em 2017 na sequência do processo GalpGate. Em 2020, voltou à Assembleia da República como chefe de gabinete de António Costa. Nas buscas feitas no dia 7 de Novembro, foram encontrados mais de 75.000 euros em dinheiro vivo no seu gabinete, escondidos em livros, envelopes e caixas de vinho. O arguido é suspeito de cometer dois crimes de prevaricação e um crime de tráfico de influência.

Diogo Lacerda Machado, considerado um grande amigo de António Costa, esteve envolvido nas negociações da TAP e na procura de uma solução para os lesados do BES. É, desde fevereiro de 2022, consultor da Start Campus, recebendo uma quantia mensal de 6.500 euros. Foi de extrema importância para a criação deste megaprojeto, uma vez que facilitou contactos diretos com o governo, estando, por isso, acusado de corrupção ativa, tráfico de influência e prevaricação. Depois de ouvido pelo juiz de instrução criminal, ficou em liberdade, mas sem possibilidade de sair de Portugal e obrigado a pagar uma caução de 150 mil euros.

Afonso Salema era o CEO da Start Campus, sendo responsável pelo projeto Sines 4.0. Depois de ouvido pelo juiz de instrução criminal, ficou em liberdade no decorrer da investigação, apenas obrigado ao termo de identidade e residência. Para o magistrado, não havia indícios de corrupção ativa ou prevaricação e, por isso, esses crimes deixaram de estar imputados a Afonso Salema. 

Rui de Oliveira Neves foi diretor geral da Galp Energia e atualmente é administrador da Start Campus, onde é diretor jurídico e de sustentabilidade. Esteve igualmente envolvido no GalpGate. É sócio do escritório de advogados Morais Leitão e foi indiciado por tráfico de influência, corrupção ativa, prevaricação e oferta indevida de vantagem. Tal como Afonso Salema, depois de ouvido pelo juiz de instrução criminal ficou em liberdade no decorrer da investigação e foi aplicado o termo de identidade e residência.

Nuno Mascarenhas é, desde 2013, o presidente da Câmara Municipal de Sines, no mandato do PS. Terá aceitado contrapartidas que beneficiaram a autarquia para facilitar e acelerar os empreendimentos da Start Campus. Em causa, estava um crime de corrupção passiva e prevaricação, cujo juiz ainda não validou, estando apenas aplicado um termo de identidade e residência.

João Galamba foi secretário de Estado da Energia entre outubro de 2018 e janeiro de 2023, altura em que substituiu Pedro Nuno Santos na liderança do Ministério das Infraestruturas. Foi dos governantes que teve um contacto mais próximo com os responsáveis da Start Campus, que o Ministério Público acredita que tenha sido beneficiada.

Nuno Lacasta é presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, desde 2012. Apesar de não terem sido divulgados os crimes dos quais é suspeito, o ministério público acredita que Lacerda Machado e Vítor Escária agiram para que a Agência Portuguesa do Ambiente desse uma decisão ilícita favorável ao empreendimento do data center, uma vez que não foi feita uma avaliação de impacto ambiental por esta agência.

João Tiago Silveira foi porta-voz do PS e secretário de Estado. É ainda sócio do escritório de advogados Morais Leitão, onde coordena o departamento de direito público, urbanismo e ambiente, apoiando o Governo na realização da legislação desta área.

A Start Campus é a promotora do Sines 4.0, um mega projeto para a construção de um data center em Sines. É suspeita pelos crimes, alegadamente cometidos por Afonso Salema e Rui de Oliveira Neves em sua representação ou interesse.

No despacho da indicação, constam transcrições de escutas feitas no decurso da investigação que indicam os benefícios que algumas empresas terão conseguido devido à teia de ligações entre governantes, ex-governantes, empresas e, até, advogados.

O Ministério Público considera que os contactos serviram no sentido de “obter favores” junto dos governantes em matérias “de interesse” para a empresa. Entre eles, destacar  o facto do Data Center ter sido construído em terrenos que são abrangidos pela Zona Especial de Conservação, que impedem a sua construção, a “dispensa do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) quanto à primeira fase do projeto” e, mais tarde, a “Declaração de Impacto Ambiental favorável” na segunda fase do projeto. O Ministério Público acredita que a Declaração de Impacto Ambiental favorável, sem oposição do ICNF, obtida pela Start Campus deveu-se à pressão feita pelos arguidos João Galamba, Vítor Escária e Nuno Lacasta junto das entidades envolvidas.

Na sequência desta operação, e, após ser revelado que havia um processo autónomo contra António Costa por parte do Supremo Tribunal da Justiça, este renunciou ao cargo como primeiro-ministro, originando uma crise política no governo português.

Fui hoje surpreendido com a informação, oficialmente confirmada pelo gabinete de imprensa da Procuradoria Geral da República, que já foi ou irá ser instaurado um processo crime contra mim. Obviamente, apresentei a minha demissão – António Costa

Dissolução do Parlamento

Marcelo Rebelo de Sousa anunciou a dissolução do Parlamento. Fotografia: Paulo Spranger/Global Imagens

Após a polémica, no dia 9 de novembro, o Presidente da República anunciou a dissolução do governo e eleições antecipadas para 10 de março de 2024, após uma reunião de mais de quatro horas com o Conselho de Estado. O presidente dirigiu-se aos portugueses para comunicar a sua decisão: “Chamado a decidir sobre o cenário criado pela demissão do Governo, consequência da exoneração do Primeiro-Ministro, optei pela dissolução da Assembleia da República e a marcação de eleições em 10 de março de 2024.” Ainda assim, agradeceu a António Costa pela disponibilidade para se manter em funções até às legislativas

(…) Um vazio inesperado, que surpreendeu e perturbou tantos portugueses, afeiçoados, que se encontravam, aos oito anos de liderança governativa ininterrupta – Marcelo Rebelo de Sousa

No dia 13 de novembro, todos os arguidos saíram em liberdade, sendo que Vítor Escária e Diogo Lacerda Machado não se podem ausentar do país e terão que entregar o passaporte às autoridades. Simultaneamente, João Galamba apresentou o pedido de demissão do cargo de ministro das Infraestruturas a António Costa, apesar de ter mencionado no dia 10 de novembro que não o tencionava fazer.

Esta decisão é a única possível para assegurar à minha família a tranquilidade e discrição a que inequivocamente têm direito – João Galamba

O facto de o juiz de instrução do processo conhecido como “Operação Influencer” não ter determinado a prisão preventiva para nenhum dos arguidos do caso, faz com que este inquérito esteja a decorrer sem o estatuto de urgente. Tal significa que, se for necessário recorrer ao Tribunal Central de Instrução Criminal durante as férias judiciais, o processo corre o risco de ficar parado.

Editado por Inês Silva