O Brasil foi chamado às urnas para eleger o seu próximo presidente, no dia 30 do mês passado. Nestas eleições, estiveram em causa duas personalidades antagónicas, que dividiram o país em duas metades, numa polarização nunca antes vista na sociedade brasileira.

Lula da Silva obteve mais de 60,3 milhões de votos (50,9%), com uma vantagem superior a 2,1 milhões face a Bolsonaro, que conseguiu 58,2 milhões (49,1%), segundo indicou o portal do Tribunal Superior Eleitoral.

“Esta é a eleição mais importante da história do país porque temos dois extremos” – Ariovaldo de Camargo, Secretário da Administração e Finanças da CUT

Um olhar sobre os resultados

Ao analisar a distribuição espacial dos resultados, verifica-se que os Estados decisivos para a vitória de Lula da Silva se encontram nas regiões norte e nordeste do país. Por outro lado, Bolsonaro recebeu a maioria dos votos nas regiões centro e sul do Brasil.

Resultados Eleitorais em cada uma das Cidades do Brasil | Fonte: Globo News

Em território português, Lula da Silva venceu as eleições nas mesas de voto de Lisboa, Porto e Faro.

Olhando para algumas das principais cidades europeias, Lula venceu em Moscovo, Genebra, Paris, Viena e Roma.

As reações à vitória de Lula

Após a divulgação oficial dos resultados eleitorais, Lula da Silva celebrou a vitória nas redes sociais. A primeira publicação fez-se com apenas uma palavra: Democracia.

Além disso, no primeiro discurso pós-eleitoral, disse ter passado por um “processo de ressurreição” na política brasileira: “tentaram enterrar-me vivo, e eu estou aqui”, afirmou o presidente eleito.

“O povo deixou claro que deseja mais e não menos democracia” – Lula da Silva

Apoiantes de Lula da Silva após o resultado das eleições | Fotos: Reprodução/CNN

Em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa felicitou Lula da Silva pela vitória e António Costa declarou, no Twitter, que encara “com grande entusiasmo” o trabalho conjunto para os próximos anos. O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, também se manifestou nas redes sociais, parabenizando a nação brasileira.

Emmanuel Macron falou num “novo capítulo da História do Brasil” e disse que quer “unir forças para enfrentar os desafios comuns e renovar o vínculo de amizade entre os dois países”. Do outro lado do Atlântico, numa nota publicada no site oficial da Casa Branca, Joe Biden felicitou a eleição de Lula da Silva.

Mas entre tantas reações, faltava a do candidato derrotado, que só se pronunciou passadas 48 horas. Os aliados e apoiantes de Jair Bolsonaro dizem não ter conseguido falar com o atual presidente e terão sido informados de que tinha ido dormir depois de conhecer os resultados.

Além de se ter tornado no primeiro presidente brasileiro a não conseguir a reeleição, Bolsonaro também se tornou no primeiro presidente a não reconhecer um resultado eleitoral logo após o término da apuração dos votos.

No primeiro discurso, no dia 1 de novembro, Bolsonaro agradeceu os 58 milhões de votos que recebeu e afirmou que continuará a “cumprir a Constituição brasileira”.

Em defesa do candidato do Partido Liberal, regiram André Ventura e Sergio Moro. O presidente do Chega descreveu o Brasil como “um país irmão rendido a um candidato corrupto e ex-presidiário“, já o juíz da operação Lava Jato (responsável pela condenação de Lula da Silva) assegurou que estará “sempre do lado do que é certo!”.

O que muda com Lula da Silva?

No discurso pós-eleitoral, o novo presidente prometeu que a “roda da economia vai voltar a girar”, com os cidadãos mais pobres a voltar a “fazer parte do orçamento”. Além disso, Lula prometeu “enfrentar sem tréguas o racismo e a discriminação, para que todos os cidadãos tenham as mesmas oportunidades.

Do discuro de vitória, destaca-se ainda a vontade de “governar todos os cidadãos brasileiros“, através do diálogo “entre o povo e o Governo”.

“Tenho fé que com a ajuda do povo, nós vamos encontrar uma saída para que esse país volte a viver democraticamente, harmonicamente” – Lula da Silva

Sobre as questões ambientais, Lula defendeu uma política de “desmatamento zero”, e lembrou a necessidade de reconstruir as agências federais ambientais. Lula da Silva quer, também, retomar o apoio aos países mais pobres, assim como o diálogo com os Estados Unidos e a União Europeia, garantindo estabilidade para os investidores internacionais.

“O Brasil está pronto para retomar a liderança na luta contra a crise climática” – Lula da Silva

Quando tomar posse, o novo presidente quer aumentar o tamanho do governo de 23 para 34 ministérios, dividindo o ministério da Economia, e criando pastas como Planeamento e Gestão, Indústria e Comércio. O ministério da Justiça também será dividido, passando a existir o ministério da Segurança Pública. O ministério dos Povos Originários também deverá ser criado.

Junita Goebertus, diretora da Human Rights Watch para a América do Sul, referiu que “o presidente eleito deveria começar a trabalhar num plano no sentido de reverter as políticas nocivas de Bolsonaro”, relativas aos Direitos Humanos. O Congresso Brasileiro tem, no entanto, uma maioria conservadora, pelo que Lula terá de fazer acordos com partidos que apoiaram a governação de Bolsonaro.

As preocupações dos eleitores, os resultados da 1ª volta e o debate decisivo

De acordo com um estudo da Quaest Consultoria, os eleitores brasileiros revelaram bastantes preocupações relativamente a questões económicas, mas também a múltiplas questões sociais que incluem, por exemplo, o aumento da taxa de crimes violentos e a deterioração da saúde pública no país.

De facto, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar, mais de 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil, 73% a mais do que em 2020. Além disso, cerca de 11 milhões são analfabetos e, segundo a ONG ‘Fórum Brasileiro de Segurança Pública’, o Brasil tem uma das maiores taxas de criminalidade do mundo, com 47.503 homicídios em 2021.

Estes fatores terão sido importantes na hora de votar, quer na primeira volta, quer na segunda. Lula da Silva já havia vencido no “primeiro turno”, com 48,43% dos votos, e Bolsonaro tinha conquistado 43,2%. A abstenção – que diminuiu na segunda volta – tinha atingido os 20,9%, visto que 32,76 milhões de brasileiros não compareceram às urnas.

Com apenas dois candidatos na corrida à presidência, o clima aqueceu e o último debate entre ambos foi um dos momentos mais marcantes na campanha. Jair Bolsonaro e Lula da Silva trocaram vários argumentos e acusações mútuas: Lula começou por acusar Bolsonaro de não ter aumentado o salário mínimo durante o seu mandato e relembrou as subidas constantes durante o seu Governo (2003-2011).

“Esse homem, durante quatro anos, não deu um centavo de aumento do salário mínimo” – Lula da Silva

Sobre o tema da corrupção, Bolsonaro apelidou Lula de “descondenado” e de “bandido“.

“Você só está aqui porque tem um amigo no supremo tribunal” – Bolsonaro

Jair Bolsonaro também criticou o Tribunal Superior Eleitoral, sugerindo que os juízes estariam a beneficiar Lula durante o processo eleitoral, e reafirmou-se conservador na luta contra o aborto, as drogas e a ideologia de género.

“Lula, tu és abortista, favorável à liberalização das drogas, ideologia de género” – Bolsonaro

Lula utilizou o tema da pandemia para atacar Bolsonaro, afirmando que um dia teria de pagar pelas milhares de mortes pelas quais foi responsável devido às suas políticas negacionistas.

“Muitos perderam a vida por causa do comportamento irresponsável do Presidente da República” – Lula da Silva

Lula (à esquerda) e Bolsonaro (à direita) no último debate antes das eleições | Foto: Marcelo Chello/AP

Decorrido todo o período de campanha, a última sondagem realizada pelo DataFolha, divulgada no último sábado (29), dava a vitória a Lula da Silva, com 52% dos votos válidos. O desfecho veio a verificar-se, mas com menor percentagem.

Apesar da experiência política de Lula da Silva, espera-se que o candidato do PT não tenha um mandato fácil. Os resultados eleitorais mostram uma sociedade dividida e polarizada, como se veio a verificar com as ações de protesto levadas a cabo pelos apoiantes de Bolsonaro. Por agora, resta esperar pelo dia 1 de janeiro de 2023, data em que Lula se tornará oficialmente presidente do Brasil.

Editado por Hugo dos Santos