Mais de um mês depois do início do conflito na Ucrânia, os efeitos da guerra já se fazem sentir. Na Europa, a crise energética foi agravada pelas tensões com a Rússia e a dependência energética externa é cada vez mais evidente.
A Ucrânia tem sofrido, praticamente, ataques diários em vários pontos do país e o número de pessoas que deixaram o país e a guerra já ultrapassou os 4,5 milhões. Do outro lado da barricada, na Federação Russa, nem toda a população apoia Putin e paga com a própria liberdade a expressão da sua opinião. Assim, milhares de cidadãos foram detidos por se manifestarem contra a invasão.
O dia da invasão russa
Na madrugada do dia 24 de fevereiro, sob um conjunto de pretextos que tinha vindo a anunciar, Putin deu luz verde à invasão da Ucrânia. A “operação militar” deu-se a partir de três frentes: através da Bielorrússia (a norte), da Crimeia (a sul) e da região do Donbas (a Leste). Os primeiros dias de guerra foram marcados por ataques aéreos a várias cidades – entre as quais a capital, Kiev – e pela rápida difusão das tropas russas no território ucraniano.
Com o passar do tempo, as tropas russas abrandaram o ritmo da invasão terrestre, mas os ataques aéreos acontecem diariamente. A Rússia nega ter civis como alvo, mas já bombardeou estruturas residenciais, escolas, lares de idosos e hospitais. A Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou que a guerra provocou 1.842 mortos e 2.493 feridos entre os civis, até ao último domingo, dia 10 de abril. Entre as vítimas da guerra, há 148 crianças mortas e 233 feridas.
O Presidente da Ucrânia tem sido recebido (à distância) na Casa da Democracia de diversos Estados. Já marcou presença, por exemplo, no Parlamento alemão, no Parlamento Europeu, no Congresso americano e no Knesset (o Parlamento israelita). O convite por parte do Parlamento português já foi aceite pelo líder ucraniano, mas ainda não há uma data definida. Volodymyr Zelensky tem apelado à ação por parte dos diversos Estados e comparou a agressão russa ao Holocausto.
A maioria da comunidade internacional condenou a invasão russa e apoiou a Ucrânia com o envio de armamento e o reforço das sanções económicas à Rússia.
As consequências da guerra
As sanções europeias e a resposta russa têm impacto na Economia mundial e, a par dos avanços do conflito bélico, assiste-se ao receio dos seus efeitos económicos. Olaf Scholz, chanceler alemão, disse que “a Europa é incapaz de garantir o seu fornecimento de gás e de petróleo sem a fração respetiva de 40% e 25% vinda da Rússia”. Assistimos, por isso, a uma elevada dependência energética europeia face à Rússia, principalmente em países como a Alemanha ou do leste europeu. O porto de Sines tem sido apontado como uma possível solução a médio prazo, por permitir a entrada de gás liquefeito vindo de outros pontos do globo.
Portugal não está tão dependente do fornecimento de energia russa, e o conflito não tem impacto direto nas exportações – uma vez que apenas 0,3% do total vai diretamente para a Rússia e 0,1% para a Ucrânia. Mas o aumento do custo da energia vai contribuir para o aumento generalizado dos preços, que provoca uma diminuição do poder de compra. Como efeito deste fenómeno, podemos assistir a um decréscimo do consumo e a um menor crescimento económico.
De modo a enfrentar o aumento do preço da energia e apresentar propostas em matéria de política energética, António Costa esteve em Roma com Mario Draghi, Pedro Sánchez e, por videochamada, com Kyriákos Mitsotákis. O encontro de sexta-feira, a 18 de março, entre os chefes do Governo de Portugal, Itália, Espanha e Grécia, respetivamente, teve como principal objetivo concertar as medidas que apresentaram no Conselho Europeu dos dias 24 e 25 do mesmo mês.
A União Europeia tem de responder conjuntamente às consequências económicas e sociais da guerra na #Ucrânia. Em Roma, com os Primeiros-Ministros de Itália, Espanha e Grécia, concertámos posições para aumentar a nossa segurança energética e travar a escalada de preços. pic.twitter.com/mBVQyhwf5P
— António Costa (@antoniocostapm) March 18, 2022
Mas os efeitos do conflito não se fazem sentir só na Europa. Kristalina Georgieva, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), já afirmou que “a guerra na Ucrânia significa fome em África”.
A segurança alimentar está em risco em território africano, dado que a Ucrânia e a Rússia são fornecedores de trigo e cereais com grande expressão neste continente, mas também porque o preço dos fertilizantes tem vindo a subir consideravelmente. O aumento do preço dos combustíveis e da inflação, por sua vez, podem ter consequências no agravamento dos défices orçamentais e na subida da dívida pública. Assim, o governo português anunciou, esta manhã, dia 11 de abril, uma série de medidas extraordinárias que pretendem mitigar o impacto do aumento dos preços dos bens alimentares e energéticos.
Em termos políticos, a resistência ucraniana fez-se notar e a Europa uniu-se no apoio à Ucrânia e no acolhimento de refugiados. A Ucrânia está, também, mais próxima de pertencer à União Europeia (UE): a presidente da Comissão Europeia e o chefe da diplomacia europeia estiveram reunidos com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. No encontro, que aconteceu em Kiev, os representantes da UE entregaram um questionário que será o ponto de partida para que os países-membros decidam sobre a adesão da Ucrânia à União.
Naturalmente, as relações Rússia-Ucrânia saem prejudicadas e a reputação russa no Ocidente sofre com o conflito. A NATO reforçou-se e o mundo parece ter entrado num novo clima de “Guerra Fria”.
Crimes de guerra ou encenações?
O início do mês de abril ficou marcado pelas imagens do massacre de Bucha. Segundo a procuradora-geral da Ucrânia, Iryna Venediktova, pelo menos 400 civis foram encontrados mortos na cidade, a cerca de 30 quilómetros de Kiev. Vários corpos tinham as mãos atadas atrás das costas e foi também encontrada uma vala comum, ainda aberta.
O embaixador russo na ONU, Vassily Nebenzia, diz que as imagens são uma “encenação” e que “os cadáveres em Bucha não existiam antes das tropas russas saírem”. Acrescentou ainda que “nem um único residente de Bucha sofreu qualquer violência às mãos dos russos”. O Ministério da Defesa russo considerou os vídeos “provocações odiosas” da Ucrânia e alegou que os corpos tinham sido colocados nas ruas depois da retirada russa.
No entanto, um trabalho de comparação de imagens feito pelo New York Times e El País contraria a teoria russa. A análise mostra que os corpos já estavam nas ruas duas semanas antes da libertação da cidade e que, por isso, o massacre aconteceu durante o período de ocupação russa.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, diz que “é essencial que uma investigação independente permita encontrar os responsáveis” e admite ter ficado “profundamente chocado com as imagens de civis mortos em Bucha”. O presidente francês, Emmanuel Macron, escreveu no Twitter que “as autoridades russas terão que responder por estes crimes“, uma vez que “as imagens que nos chegam de Bucha, uma cidade libertada perto de Kiev, são insuportáveis”.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, considera que estamos perantes “crimes que guerra” que “mancharam de forma permanente” a reputação de Putin e do seu governo. A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, esteve na Ucrânia na passada sexta-feira (8) e disse que “o mundo inteiro está de luto com o povo de Bucha“.
“Vimos aqui crueldade do exército de Putin. Vimos a imprudência e a frieza com que têm ocupado a cidade. Aqui em Bucha, vimos a nossa humanidade ser despedaçada e o mundo inteiro está de luto com o povo de Bucha”, declarou Von der Leyen na visita à Ucrânia.
Situação idêntica terá ocorrido em Irpin, cidade próxima de Bucha e Kiev. A cidade foi recuperada pelos ucranianos no final de março e o autarca Alexander Markushin afirmou que vários corpos tiveram de ser “retirados com pás“, porque as tropas russas “mataram pessoas e depois passaram com tanques por cima”. Markushin estima que tenham morrido 200 a 300 civis. Várias pessoas tentaram fugir da guerra, mas acabaram por ser abatidas pelas forças russas.
Refugiados europeus
Durante os últimos anos, a Europa tem sido confrontada com diversas crises de refugiados, vindos de zonas como a Síria, o Afeganistão, a Eritreia e outros países da África Subsariana. Contudo, num passado recente (à exceção dos refugiados do Kosovo no final do século passado) a Europa não tem enfrentado crises de refugiados vindos do seu próprio continente.
A situação na Ucrânia veio mostrar que a Europa é capaz de se unir e mobilizar para proteger europeus que fogem da guerra. Portugal, por exemplo, já emitiu quase 29.560 pedidos de proteção temporária de refugiados ucranianos, destes, mais de 10.353 são menores, fazendo com que a comunidade de ucranianos no país duplicasse, passando a ser a segunda maior comunidade imigrante residente. Até 6 de abril, já tinham sido celebrados 359 contratos de trabalho entre empresas portuguesas e ucranianos que fugiram da guerra.
A fronteira com a Polónia é mais utilizada para escapar ao conflito: o país já abriu as portas a 2,3 milhões de refugiados ucranianos. No final de março, estimava-se que cerca de 4,5 milhões de pessoas já tivessem abandonado a Ucrânia.
A Hungria já recebeu mais de 291 mil pessoas e países como a Eslováquia, a Roménia e a Moldova têm tido um papel essencial no acolhimento de refugiados, sendo que alguns partem depois para outros Estados europeus.
Russos contra Putin
À medida que o conflito avança e a repressão russa se faz sentir, multiplicam-se também os exemplos de coragem de cidadãos russos que se manifestam contra a guerra – mesmo que isso implique a sua detenção.
No dia que sucedeu a invasão da Ucrânia, registaram-se protestos em 53 cidades russas e 1700 cidadãos foram detidos por se manifestarem contra a guerra. No dia 6 de março, o total de manifestantes detidos já ultrapassava os 13 mil.
Um dos casos mais mediáticos foi o de Elena Osipova, uma idosa de 77 anos conhecida por ser uma sobrevivente do cerco militar a Leningrado durante a II Guerra Mundial, detida por mostrar dois cartazes numa manifestação em São Petersburgo.
Contudo, as manifestações não se fazem apenas na rua e uma jornalista do Canal 1 (uma estação de televisão estatal russa) tornou-se conhecida em todo o mundo por aparecer em direto a segurar um cartaz contra a guerra. Marina Ovsyannikova foi detida após interromper o noticiário da noite.
“Parem a guerra. Não acreditem na propaganda. Aqui, estão-vos a mentir”, podia ler-se no cartaz.
A Rússia e a Ucrânia desdobram-se em negociações, mas o conflito ainda não tem um final anunciado. Até que se coloque um ponto final e se possa virar a página da guerra, o território ucraniano continua a ser destruído e milhares de pessoas são obrigadas a deixar o seu país.