A 8 de março de 1931, lia-se no semanário “O Algarve” as queixas de populares sobre a seca intensa e prolongada, sobretudo nas terras do Sotavento algarvio, que permanecera por décadas:

“Mas foi sempre assim? Não foi! Antigamente chovia bastante e ribeiras que tinham sempre grande abundância de água hoje nem chegam a correr durante o Inverno. (…) A serra estava arborizada e o emprego das árvores para lenha e carvão tem dado este resultado. Pelo desaparecimento das árvores, se torna árida uma região.”

Nove décadas passaram e os períodos de seca no território nacional aparentam ser cada vez mais frequentes e preocupantes. Desde que há registos, Portugal apresentou dois períodos de seca severa a extrema prolongada (medida no final de cada inverno) no século XX, o primeiro entre 1944 e 1945 e o segundo desde 1948 até 1949 (cf. gráfico). Nos primeiros anos do atual milénio, foram registados três grandes secas: de 2004 a 2005, de 2011 a 2012 e de 2017 a 2019. As previsões apontam para que 2022 seja o quarto ano em que esta realidade se verifique.

Evolução do registo de secas severas a extremas em Portugal (Fonte: National Geographic PT)

Este fenómeno meteorológico com graves consequências para o país faz levantar algumas questões que procuramos ver respondidas neste artigo: Quais são as consequências provocadas por esta adversidade climática? Que medidas devemos tomar para racionalizar o consumo de água? Quais as principais razões para o aumento da regularidade das secas no território continental? 

Precedentes da escassez de água

A questão das alterações climáticas é algo transversal a todas as comunidades ao redor do mundo. Algumas optam por processos mais sustentáveis para satisfazerem as suas necessidades, outras por métodos mais acessíveis e intensivos. Uma das maiores temáticas associada à escolha entre estes dois moldes reside no acesso livre à água e não nas suas consequências. É desta forma que as reservas de água doce no subsolo são esgotadas.

Há mais de um século que vários políticos justificam a construção massiva de barragens como forma de regular e amenizar os períodos de seca, bem como aumentar o número de terrenos propícios à atividade agrícola e produzir energia “limpa”. No entanto, vários inconvenientes ambientais e sociais estão associados a esta ideia. Habitats destruídos, perda de biodiversidade, eutrofização das águas, ampliação dos conflitos sociais e resultados aquém do esperado, são alguns dos problemas que se levantam. Várias iniciativas impulsionadas por diferentes governos na Europa têm vindo a defender a remoção de algumas destas estruturas.

Além disto, a pressão nos recursos hídricos decorrente da ampliação das cidades, do crescimento populacional e da atividade económica, em especial do turismo, é bastante visível nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. As ETARs não são suficientes para responder à elevada demanda de reutilização das águas residuais. Em 2016, apenas cerca de 1,1% das águas com este tipo de origem acabou por ser, de facto, reutilizada. Contudo, espera-se que o Programa Operacional para a Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Água (POSEUR) desencadeie o progressivo aumento do investimento neste setor, quer através de linhas de financiamento, quer na recuperação de energia nas próprias ETARs, com base em processos de cogeração.

Por fim, a agricultura é responsável por mais de 75% do consumo de água. É fulcral adaptar as plantações aos recursos hídricas naturais dos terrenos, além de rever a prática das culturas intensivas e hiper-intensivas. Algumas soluções, como a dessalinização das águas do oceano e a construção de transvases, podem acabar por fazer emergir novos problemas.

Ajuda comunitária

Face à onda regular de secas intensas verificada na Península Ibérica, Portugal e Espanha apresentaram à Comissão Europeia, no final de fevereiro, um conjunto de medidas para amenizar os seus impactos. Também pretende combater o crescimento abrupto dos preços das matérias-primas que se tem verificado nas últimas semanas, e que se faz sentir especialmente nas explorações pecuárias.

De acordo com a rádio TSF, entre as várias medidas, destacam-se o aumento da dotação dos adiantamentos da Política Agrícola Comum para 2022, a flexibilização das condições de uso de superfícies reservadas e a permissão de ações específicas de apoio ao setor no quadro dos fundos de desenvolvimento rural. Caso o adiantamento de pagamentos não seja concedido, a possibilidade de utilização do Fundo de Solidariedade da União Europeia está em cima da mesa.

Alterações no clima nacional

Estima-se que 2022 seja um dos anos mais secos alguma vez registados em Portugal continental. A precipitação registada nas últimas semanas não foi suficiente para reverter a situação e 77% do território ainda permanece em situação de seca severa e extrema.

De 30 em 30 anos, as normais climatológicas são revistas para cada país. Entende-se por normal climatológica de um elemento climático num local o valor médio correspondente a um número de anos suficiente para se poder admitir que ele representa o valor predominante daquele elemento no local considerado. Atualmente, é utilizado o período de referência de 1971-2000 e Portugal enquadra-se no Clima Temperado Mediterrâneo. No entanto, as recentes variações climatológicas podem alterar esta denominação para um Clima Subtropical.

A seca em Portugal tenderá a ser algo a repetir-se com bastante regularidade nos próximos anos se nenhuma ação em contrário for tomada. A classificação climatológica nacional pode ainda ser alterada e, por conseguinte, poderá haver degradação da biodiversidade.

 

Revisto por: João Múrias