A violência de género contra as mulheres ainda é uma realidade comum nas sociedades atuais. Tanto no Médio Oriente como na Europa e no resto do mundo, é possível verificar o surgimento de muitas situações destas, como por exemplo, o feminicídio que resulta, todos os anos, na morte de inúmeras mulheres.
Mona Heydari, uma iraniana de 17 anos, foi morta pelo marido no passado dia 5 de fevereiro. Estava casada com o mesmo desde os 13 anos, tendo tentado, sem sucesso, fugir do país e do próprio casamento, para a Turquia. No entanto, foi descoberta pelo pai, que a levou de volta para o marido. A sua decapitação decorreu desta tentativa. O ato violento, conhecido como “crime de honra”, teve o apoio do pai e do irmão da mulher.
A cabeça de Mona foi exibida pelo esposo nas ruas da cidade de Ahvaz, no sudoeste do Irão, tendo sido, posteriormente, filmado e publicado nas redes sociais. O esposo de Mona era, também, primo dela em primeiro grau.
A tragédia gerou uma onda de revolta no país e os jornais reformistas contestaram ativamente a situação, exigindo uma mudança na legislação iraniana. “Cerca de 60 mulheres foram vítimas de crimes de honra nos últimos dois anos, incluindo algumas com 10 ou 15 anos de idade. Nenhum dos assassinos foi levado à Justiça, pois a maioria das famílias nem sequer entrou com uma ação judicial”, declarou o jornal Iran International. Após a repercussão do caso, o marido e o irmão da mulher foram presos, mas as forças policiais optaram por não divulgar o nome dos dois homens.
O ato é tolerado pela Lei Sharia, que afirma que aqueles com laços sanguíneos com a pessoa acusada de crime, podem exigir a execução de um ente querido após este cometer algum ato ou comportamento considerado “vergonhoso” para a família.
A Lei Sharia é o conjunto de leis de fé, compreendida pelo Alcorão (livro sagrado do Islamismo), além de sistemas de direito árabe mais antigas, tradições paralelas e trabalho de estudiosos muçulmanos ao longo dos primeiros séculos de existência do Islão. Por outras palavras, a Sharia é um sistema detalhado de leis religiosas que ainda vigora entre os fundamentalistas contemporâneos.
Elham Nadaf, membro do parlamento iraniano, afirmou que o crescente número de casos de “crimes de honra” é resultado da falta de meios para fazer cumprir as leis. “Infelizmente, estamos a testemunhar tais incidentes porque não há medidas concretas para garantir a implementação de leis para prevenir a violência contra as mulheres”, declarou à agência de notícias local ILNA.
Os crimes contra as mulheres têm sido cada vez mais constantes um pouco por todo o Irão. Em junho de 2020, Reyhaneh Ameri, da cidade de Kerman, no centro-sul do Irão, foi espancada pelo pai com uma barra de ferro. Terá ficado quase 24 horas a sangrar até acabar por morrer. O corpo foi encontrado no mesmo local em que Reyhaneh foi deixada pelo pai, numa vila próxima de onde viviam. Tinha apenas 22 anos e terá sido morta num surto de raiva do pai, por esta ter chegado tarde a casa.
Na mesma semana, Fatemeh Barahi, de 19 anos, foi decapitada pelo marido, com quem terá sido forçada a casar, após fugir dele. O marido da jovem mulher entregou-se às autoridades e confessou ter cometido o crime devido à alegada infidelidade da esposa.
Outro caso é o de Romina Ashrafi, de 14 anos, que fugiu de casa dos pais, em Gilan, com o namorado de 35 anos, depois do pai se ter oposto ao casamento. Contudo, o casal foi encontrado pela polícia e Romina foi mandada novamente para casa dos pais, apesar de ter confessado que temia pela própria vida. O cenário veio a verificar-se, a mulher foi atacada e morta pelo pai, cuja polícia prendeu, posteriormente, por crime de honra.
Estas mulheres são apenas alguns exemplos das vítimas deste tipo de violência, pois os casos são inúmeros e datam de há muito tempo. O “Fundo das Nações Unidas para a População” (FNUAP) estima que pelo menos 5 000 mulheres por ano no mundo são vítimas deste tipo de assassinato.
O QUE SÃO CRIMES DE HONRA?
Os crimes de honra consistem no homicídio de membros de uma família, por se considerar a sua conduta imoral para a alegada honra familiar ou para os princípios duma comunidade ou religião. As razões invocadas podem ser a recusa dum casamento forçado, uma relação desaprovada pela família ou respetiva comunidade, relações sexuais fora do casamento, ser vítima de violação, vestir-se de modo considerado inapropriado, ter relações homossexuais, procurar um divórcio, cometer adultério ou renunciar a uma fé.
Estes crimes são frequentemente resultado de pensamentos misóginos em relação à posição das mulheres na sociedade, que são vistas como objetos ou propriedade dos homens, dos quais dependem e a quem se espera que obedeçam. São muitos os fatores que influenciam estes crimes, entre os quais:
1. Misoginia: A violência contra as mulheres é vista como uma forma de manter o respeito, de prevenir a rebelião feminina. As mulheres não têm o direito de assumir o controle dos seus próprios corpos, nem da sua sexualidade. Os pais têm o dever de resguardar a virgindade das filhas até ao casamento, e depois a sexualidade das mulheres fica condicionada à vontade dos maridos.
2. Tradição e Religião: A tradição e o fundamentalismo religioso está também muito ligado a estes crimes. Estes são praticados na maioria por muçulmanos, mas também, em menor grau, por Sikhs e por Hindus. Na religião Hindu estes crimes são frequentes por motivos de castas, sistema que está oficialmente abolido na Índia pelo artigo 15 da sua Constituição, contudo, continua a vigorar enquanto preconceito, especialmente nas regiões rurais, onde casar fora da casta é fortemente desaprovado.
3. Legislação: As leis de um país podem, de igual forma, encorajar mortes por honra. Tais leis incluem tanto a tolerância em relação a esses assassinatos como a criminalização de vários comportamentos (como sexo extraconjugal, uso de roupas tidas como indecentes em locais públicos ou relações homossexuais). Estas leis têm repercussão penal. Os próprios governos, muitas vezes, são ineficazes na prevenção destes crimes.
Na maioria dos países onde as mortes por honra são toleradas, esses atos enquadram-se nas leis gerais de homicídio, mas, ao mesmo tempo, são aceites como defesa circunstâncias atenuantes que podem ser encontradas nos respetivos códigos penais. Essas atenuantes muitas vezes têm origem em códigos penais do tempo colonial, quando os crimes de honra eram vistos como semelhantes aos chamados “crimes passionais”. Se a defesa da honra da família for considerada uma circunstância atenuante, o criminoso pode ser sentenciado a apenas alguns meses de prisão.
Revisto por: João Múrias