Hong Kong enfrenta a sua pior vaga de Covid-19 desde o início da pandemia, depois de ter sido apontado durante dois anos como um exemplo de referência na contenção do vírus SARS-CoV-2. Com o número de infeções a superar o total de casos registados em todas as outras vagas e com a expectativa de atingirem 28 mil casos diários no final de Março, os hospitais da região estão sobrelotados e existem macas espalhadas pela rua em enfermarias improvisadas.

O presidente da República Popular da China (RPC), Xi Jinping, mostra-se indignado com a atuação do atual Conselho Legislativo de Hong Kong, encabeçado por Carrie Lam e assume o combate a esta vaga uma “missão imperiosa”.

Deste modo, a atual líder de Hong Kong adiou as eleições para o chefe de executivo (cargo que ocupa atualmente), para o dia 8 de maio, em vez do dia previsto, a 27 de março, devido ao estado da pandemia no território. Além disto, o mandato de Carrie Lam, iniciado em 2019, foi marcado pela forte presença da oposição a Pequim no Conselho Legislativo de Hong Kong. Contudo, as eleições de 19 de dezembro de 2021 alteraram a tendência pró-democrática e concederam a vitória esmagadora a apoiantes do Partido Comunista Chinês (PCC), o que levantou dúvidas quanto à transparência do ato eleitoral.

As eleições de 19 de dezembro, com uma taxa de abstenção de 70%, deram a vitória ao partido pró-Pequim. Foto: Getty Images

Do ópio à cidade cosmopolita

Hong Kong foi ocupada pelo Império Britânico, após a derrota da Dinastia Qing do Império Chinês na Primeira Guerra do Ópio (1839-1842), que acabou por a entregar em 1898 por um período de 99 anos. O objetivo deste conflito foi a abertura dos mercados orientais, principalmente para o comércio do ópio, que foi reprovada pelo governo imperial chinês.

Mais tarde, a província foi ocupada pelo Império Japonês durante a Segunda Guerra Mundial. Depois, permaneceu sob a alçada britânica, desde a derrota nipónica até à retoma do controlo do território pela China em 1997, num modelo especial de “um país, dois sistemas”. Este tratamento especial à região permitiu defender vários direitos, como a liberdade de expressão, um corpo judiciário independente e alguns direitos democráticos inexistentes na China Continental.

Desde o início da administração britânica até a atualidade, a região desenvolveu-se com fortes ligações à cultura e a ideais ocidentais, em conformidade com outras antigas colónias, como Macau. Este vínculo permitiu o seu reconhecimento como o lugar onde o “Oriente encontra o Ocidente” e a “capital da Ásia”. Desta forma, entende-se Hong Kong como uma cidade dinâmica cosmopolita, com um hub cultural e empresarial bastante forte e uma participação determinante na globalização.

Sendo assim, a população da região de Hong Kong caracteriza-se por possuir ideias, opiniões e educação sensivelmente diferente da restante China Continental. Este fator pode explicar, em parte, as várias divergências ideológicas que separam os territórios, as manifestações que ocorreram nos últimos anos e a preocupação de Pequim em manter o status quo comunista em Hong Kong, com quaisquer meios.

A “Resolução Patriota”

Em março de 2021, foi votado por unanimidade (2.895 delegados), no Grande Palácio do Povo, um conjunto de diretivas restritivas da livre atividade política e social na região administrativa especial chinesa, de modo a controlar detalhadamente as eleições que ocorreram no final do ano.

Entre outras, esta última jogada pelo PCC desencadeou a criação de uma Lei de Segurança Nacional, o aumento da repressão sobre ativistas e qualquer forma de crítica ao regime, além da consequente e quase total eliminação da oposição política.

Esta resolução é entendida como fulcral para demonstrar a Hong Kong que a China é “um país, um regime”, unir o povo num só ideal e restaurar a identidade nacional. Assim sendo, gerou um conjunto de críticas internacionais, todas no sentido de alertar para a decadência da democracia.

A erosão da democracia em Hong Kong

O Conselho Legislativo é composto por 70 assentos, dos quais 35 são diretamente eleitos pelo povo. No entanto, na sequência da Resolução, o número de assentos totais aumentou para 90, mas os votados pela população diminuíram para 20.

Com abstenção recorde de 70% nas eleições gerais para o Parlamento, os resultados eleitorais demonstraram uma clara vitória dos candidatos pró-Pequim.  Os vencedores demonstraram indiferença perante a mais baixa taxa de comparência de sempre e justificaram-na com a pandemia e com a ação de “elementos anti-chineses decididos a destruir Hong Kong e [pela] interferência de forças externas” como referiu o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Zhao Lijuan. Uma vez questionada sobre estes valores, a chefe de governo, Carrie Lam, foi mais longe: “Qual é o motivo? Não consigo analisar” e disse que “não podemos copiar o sistema ou as regras ditas democráticas dos países ocidentais”.

Carrie Lam, chefe de governo pró-Pequim de Hong Kong. Foto: DW

Face ao sucedido, várias personalidades e instituições políticas internacionais criticaram a intervenção de Pequim no território autónomo. Os diferentes ministros dos Negócios Estrangeiros ao redor do mundo, afirmaram que estas eleições “reverteram a tendência” democrática que se notava desde a transferência da soberania. Também apelaram à China para “respeitar os direitos e as liberdades fundamentais em Hong Kong”.

A embaixada  da China na Austrália defendeu-se, dizendo que “sabem melhor como garantir a prosperidade e a estabilidade de Hong Kong” e que as eleições foram “justas, equilibradas e abertas”, bem como “apoiadas por todas as comunidades da sociedade de Hong Kong”.

O futuro de Hong Kong

Com a transição de soberania em 1997, foram concedidos a Hong Kong 50 anos de liberdades políticas e sociais, inexistentes na China Continental, com um “alto grau de autonomia”. Sendo assim, até 2047 o acordo deveria ser respeitado e a liberdade de expressão assegurada.

No entanto, depois das últimas eleições, foram retiradas, mais uma vez, dois memoriais ao massacre de Tiananmen de 1989 de universidades distintas em Hong Kong, “sob o pretexto da sua «fragilidade» trazer «potenciais questões de segurança»”.

Além disso, os ativistas foram recorrentemente repreendidos pelas suas causas, que são consideradas no ocidente como essenciais para a defesa de valores humanos fundamentais.

 

Revisto por: João Múrias