O período pandémico que atravessamos exigiu uma adaptação da campanha eleitoral para as Legislativas 2022 e, com as restrições nos eventos presenciais, os debates televisivos ganham ainda mais importância. A “maratona” de debates já vai a meio e já se conseguiu perceber algumas das principais medidas defendidas pelos partidos com assento parlamentar. Fica a conhecer as ideias que marcaram os debates do Bloco de Esquerda (BE) e do CDS-Partido Popular entre os dias 2 e 8 de janeiro.

Bloco de Esquerda: partido da intransigência ou da convergência?

Os debates do Bloco de Esquerda iniciaram-se frente ao “candidato da extrema-direita”, André Ventura, tal como Catarina Martins o designou. Como era expectável, a troca de ideias com o líder do Chega foi marcada por momentos de discussão e críticas pessoais. Por um lado, a coordenadora do BE foi acusada de querer aumentar as suas “clientelas”, dando “tudo a quem não tem nada”, com Ventura a considerar a bloquista uma “excelente atriz”. Por outro, o presidente do Chega foi acusado de nada fazer para combater a corrupção e de ser “mais previsível que um disco riscado”.

Catarina Martins vincou a posição do BE na defesa dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) e dos pensionistas, e deixou claro que o Bloco não negoceia com a direita. Recordou algumas das conquistas do seu partido, nomeadamente o aumento do salário mínimo nacional e das pensões mais baixas e a tributação do património milionário. Manifestou-se, ainda, a propósito da necessidade de criminalizar as transferências para offshores e acabar com os vistos gold. Ao longo do debate, Catarina Martins citou o Papa Francisco duas vezes, uma delas para criticar o sistema económico atual: “Esta economia mata”. A outra foi para justificar o acolhimento de refugiados: “Se fosses um migrante e um refugiado e te travassem com arame farpado, o que pensavas?”. Nenhuma das intervenções teve qualquer reação por parte de André Ventura.

Ambos os partidos lutam pelo terceiro lugar nas legislativas e o Bloco apresenta-se como a “força das soluções“, que impede a maioria absoluta do PS, impossibilita um governo de direita e “coloca a extrema-direita” no seu lugar. Catarina Martins defende uma “política decente”, contra a política da “mentira e do ódio” defendida pela extrema-direita e que o “Bloco de Esquerda vai derrotar“.

O debate entre o BE e o Chega ficou marcado por diversas acusações | Debate: SIC Notícias
O debate entre o BE e o Chega ficou marcado por diversas acusações | Debate: SIC Notícias

Depois de debater com um partido do lado oposto do espectro político, a coordenadora do BE encontrou-se com o candidato do Livre. Logo nos primeiros instantes, ficou claro que aquilo que une Catarina Martins e Rui Tavares é maior do que aquilo que os separa. Contudo, apesar da “simpatia” que a líder bloquista diz ter pelo programa do Livre e pela sua “vontade convergente”, aponta falhas na concretização das medidas – em formulações como “estudar e equacionar” nas propostas do Livre.

Neste debate, a representante do Bloco de Esquerda reiterou a mensagem que várias vezes quis transmitir: o único culpado da crise política que estamos a atravessar é o Partido Socialista. Aproveitou para realçar a necessidade de ter uma “força grande à esquerda para um novo ciclo“, com o BE a manter-se como terceira força política.

Ambos os candidatos mostraram preocupação com a falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e Catarina Martins defendeu o incremento da proteção dos profissionais de saúde. Referiu ainda, a necessidade de aumentar o salário médio – que se encontra próximo do salário mínimo nacional – e propôs a reversão das medidas da troika em matéria de legislação laboral. Na visão do BE, estas medidas “impedem objetivamente” a valorização dos salários.

Rui Tavares acusou o Bloco de “ambiguidade estratégica” e lançou a dúvida sobre qual o partido que os portugueses encontrarão após as eleições legislativas: o da intransigência ou o da convergência. Catarina Martins confessou estar surpresa com a acusação do fundador do Livre e garantiu que um BE reforçado é a garantia de um acordo à esquerda, com determinação para resolver os “problemas fundamentais das pessoas”.

A saúde e os salários foram temas que marcaram o debate entre Catarina Martins e Rui Tavares | Debate: SIC Notícias

No terceiro debate, a troca de ideias foi com o candidato dos sociais-democratas, Rui Rio. O líder do PSD foi acusado de “normalizar o que diz a extrema-direita” em temas como a prisão perpétua e de não ter propostas para reforçar o SNS, apenas para negociar com os privados.

“Em Portugal não se admite a selvajaria”, recorda Catarina Martins a propósito da pena de prisão perpétua.

Grande parte do debate foi dominado pelo emprego e pela Saúde – áreas onde os partidos apresentam propostas diferentes. Catarina Martins defende que é com “mais salário que o país pode crescer“, uma vez que isso representa “mais economia e mais emprego” e é “impossível viver-se com 705€” (valor atual do salário mínimo nacional). Quanto ao baixo salário médio, a líder do Bloco acredita que o problema está nas medidas de legislação da troika e no “esmagamento que foi feito” na função pública e nos seus salários. O PSD, de acordo com a bloquista, não apresenta medidas concretas que permitam a subida do salário médio em Portugal.

No que toca à revisão do SNS, o Bloco defende que é preciso mais financiamento e dinheiro público na Saúde. Para isso, destaca a proposta de contratação dos 600 médicos de família que faltam e do investimento nos centros de saúde – sem filas e equipados com meios complementares de diagnóstico.

No que toca à sustentabilidade da Segurança Social, tema que encerrou o debate, a líder bloquista recordou a importância do imposto sobre os bens de luxo (conhecido como “imposto Mortágua”) para o financiamento do sistema de proteção social.

No debate com Rui Rio falou-se de saúde, economia e segurança social | Debate: SIC

Para terminar a primeira semana, os bloquistas debateram com os liberais, representados por João Cotrim Figueiredo. A tributação foi um dos temas iniciais, com o Bloco a apresentar a proposta de criação de novos escalões de IRS (passariam a 9) e de redução do IVA da energia.

A Iniciativa Liberal manifestou-se contra a proposta de aumento do salário mínimo, tendo em conta a sua proximidade com o salário médio. Catarina respondeu, argumentando que o salário médio também deve aumentar, caso se altere a legislação laboral, revertendo medidas da troika e fazendo com que as horas extraordinárias sejam pagas “como devem ser”.

 

Uma vez mais, a candidata do BE marcou a posição do seu partido relativamente ao SNS, dizendo que este é um serviço que “acolhe toda a gente” e anunciou a proposta de entrada de 18 mil profissionais para as mais diversas áreas. Acusou a IL de “fazer propaganda através da irresponsabilidade“, em tempos de pandemia, e de querer “financiar alguns negócios” na área da Saúde e Educação. Para Catarina Martins, é isso que a Iniciativa Liberal defende verdadeiramente, quando diz defender a “liberdade de escolha“.

Por fim, a deputada do bloco anunciou a vontade de reduzir as propinas dos estudantes universitários, e, recordando que a IL ainda não tinha publicado o seu programa para as Legislativas 2022, criticou a medida do programa de 2019, que defendia a criação de uma “dívida aos estudantes“.

As divergências entre o Bloco de Esquerda e a Iniciativa Liberal em questões de impostos e intervenção estatal ficaram claras no debate | Debate: SIC Notícias

A seguinte infografia reúne as principais prioridades apresentadas pelo Bloco de Esquerda nos debates desta semana:

CDS-Partido Popular: a direita clássica e social de Francisco Rodrigues dos Santos

O primeiro encontro de Francisco Rodrigues dos Santos foi frente a Inês Sousa Real, líder do PAN. Este foi um debate muito marcado pelo tom acusatório, mas muito oco em termos de conteúdo. Criticaram-se escolhas pessoais e posições em temas como a agricultura, a alimentação ou os impostos sobre combustíveis, mas pouco ou nada se ouviu falar de Educação, Juventude, Economia ou Saúde.

Se colocarmos de parte as críticas à agenda e aos valores do PAN, ficam, da parte do CDS, os compromissos de redução dos impostos sobre os combustíveis e a eletricidade e a proposta de privatização de todas as empresas de transportes públicos. Em termos morais, Francisco Rodrigues dos Santos manifestou-se contra a eutanásia e defendeu a liberdade de assistir a touradas.

No debate com o PAN, Francisco Rodrigues dos Santos deixou claro que não se deve colocar animais e pessoas em pé de igualdade | Debate: RTP3

Depois da troca de ideias com os animalistas, o líder dos centristas sentou-se à mesa com os liberais, representados por João Cotrim de Figueiredo. No debate com a Iniciativa Liberal, encontramos um CDS com mais preocupações sociais, que defende o Estado de Bem-Estar, com a justificação de que nem todos têm as mesmas oportunidades. Francisco Rodrigues dos Santos quis afastar-se do “capitalismo selvagem” da Iniciativa Liberal, que “coloca a economia à frente das pessoas”, e acusou o partido de ser “em tudo igual à esquerda, exceto na economia”. Fez questão de deixar claro, no entanto, que o CDS “também é casa de muitos liberais“, que se preocupam com os mais vulneráveis e com a dignidade da pessoa. Acrescenta que a diminuição da carga fiscal não é uma proposta exclusiva da Iniciativa Liberal, uma vez que o CDS-PP tem vindo a defendê-la há vários anos. Quanto à subida do salário mínimo nacional, diz que a decisão não é sua, e que deve ser tomada mediante as orientações da Concertação Social.

Apesar das divergências, o CDS não exclui entendimentos com a IL num eventual governo de Direita, caso os liberais alterem a sua posição em matérias como o aborto, a eutanásia e a legalização da prostituição.

No debate com a Iniciativa Liberal, Francisco Rodrigures dos Santos apresentou o CDS como a “verdadeira direita social” | Debate: RTP 3

O debate com Rui Rio, líder dos sociais-democratas, era um dos mais aguardados. Após os resultados das autárquicas, onde a coligação PSD/CDS-PP permitiu a conquista de algumas das principais câmaras (nomeadamente a capital do país), o líder do CDS afirmou que era uma opção coligar-se com PSD nas legislativas. No entanto, não tendo acontecido este acordo pré-eleitoral, o candidato democrata-cristão dirige-se ao eleitorado PSD/CDS-PP e apresenta o voto no seu partido como o verdadeiro “voto útil” para uma maioria de direita como alternativa ao PS e à “extrema-esquerda”. Acrescenta que o voto no CDS é um voto contra o “bloco central de interesses“, o “liberalismo bloquista” da IL e o “fanatismo populista” do Chega.

“O CDS não é moleta de nenhum partido”, garantiu Francisco Rodrigues dos Santos.


O presidente do CDS realçou a identidade de direita “sensata e clássica” do Partido Popular e atacou aqueles que querem ser do centro: “são tudo e o seu contrário”. Afirmou, ainda, que o CDS é “um partido da vida” e manifestou-se contra a eutanásia, porque o “Estado deve cuidar“. Na sua perspetiva, a intervenção estatal deve estar do lado da natalidade – reduzindo o IRS às famílias com mais filhos – e do lado dos cuidadores – criando uma rede de cuidados paliativos reforçada.

Na Economia, Francisco Rodrigues dos Santos defende a redução do peso dos impostos nas faturas de eletricidade e dos combustíveis, propõe a diminuição das taxas e escalões do IRS e a redução do Setor Empresarial do Estado, nomeadamente a privatização da TAP. Na Saúde, apresenta a Via Verde Saúde onde, a cada doente que ultrapassa o tempo de espera do SNS para um exame, consulta ou cirurgia, se oferece a possibilidade de ter tratamentos num hospital particular ou social.

Na Educação, o CDS propõe a criação de um cheque-ensino, que permite a cada família escolher a escola onde colocar as crianças, com o financiamento do Estado. Pretende, ainda, tornar optativa a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e excluir a ideologia de género das escolas. O líder centrista também marcou a sua posição contra a regionalização, uma vez que, na sua perspetiva, esta traria uma nova classe política, maior possibilidade de corrupção, mais impostos e um aumento da despesa pública. Para o CDS, a solução para a administração de proximidade está nos serviços a nível distrital.

Para finalizar, “Chicão”, como é conhecido estabeleceu como objetivo “derrotar António Costa e a extrema-esquerda” e garantiu que o voto no CDS é a “única solução para garantir um governo de direita em Portugal“.

No final do debate, Rui Rio aconselhou ao voto no CDS, a todos os que não quiserem votar no PSD | Debate: TVI

No esquema que se segue podes encontrar as principais prioridades enunciadas pelo líder centrista nos debates:

Revisto por: João Múrias