O período de debates para as eleições legislativas de 30 de janeiro de 2022 já começou. Durante a primeira semana, entre os dias 2 e 8 de janeiro, André Ventura, presidente do partido Chega, participou em frente-a-frente com outros cinco candidatos partidários, enquanto João Cotrim Figueiredo, presidente da Iniciativa Liberal (IL), esteve presente noutros dois debates.
CHEGA vs. BE
No segundo debate de domingo, dia 2 de janeiro, André Ventura encontrou-se frente a frente com Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda (BE).
Ventura insistiu no seu objetivo para as legislativas: “Tudo farei para tirar António Costa do poder”, confirmando que apenas fará acordos com outros partidos para formar governo, caso sejam de direita. No entanto, para tal, o líder do Chega exige fazer parte do executivo: “Só haverá governo de direita em que o Chega possa fazer transformações em ministérios concretos”.
A corrupção foi um dos temas abordados, tendo Catarina Martins acusado o Chega de nunca ter feito nada nessa matéria, referindo que “as pessoas estão chocadas com o que veem todos os dias a acontecer no país e precisam de saber que a extrema-direita não fez nada pelo enriquecimento injustificado“. André Ventura acusou o BE de querer aumentar o Rendimento Social de Inserção, promovendo um país “em que metade trabalha para sustentar a outra metade”.
Catarina Martins citou, por duas vezes, o Papa Francisco e André Ventura atacou o BE, acusando-o de “ostracizar” as autoridades, mostrando uma notícia referente a um ex-assessor do Bloco, Mamadou Ba. “André Ventura é um condenado por racismo, transitou em julgado. É a primeira vez em 40 anos de democracia. Sei que se orgulha”, ripostou a coordenadora do Bloco mencionando a condenação do líder do Chega pelo Supremo Tribunal.
CHEGA vs. PSD
Na segunda-feira, dia 3 de janeiro, Ventura debateu com Rui Rio, presidente do Partido Social Democrata (PSD).
O cenário de governabilidade e os possíveis acordos entre os dois partidos, após as eleições, foi o tema mais discutido. André Ventura insistiu na necessidade de pertença ao executivo, em caso de maioria à direita. O líder do PSD afirmou que é impossível um acordo com o Chega por este ter visões demasiado radicais, afirmando que os dois partidos têm “divergências de fundo”.
“Eu não quero ir para o poder a qualquer preço”, assegurou Rio. O líder dos sociais-democratas apelou ao voto útil por parte do eleitorado no seu partido, pois se os resultados que o Chega obtiver forem elevados, isso dificultará a saída de António Costa do Governo. O presidente do PSD considerou o Chega “um partido instável”, citando o exemplo do que aconteceu nos Açores.
O líder do Chega acusou o presidente do PSD de querer ser “o vice-primeiro-ministro de António Costa”. “O Chega só aceita um governo de direita em que possa fazer realmente transformações”, reiterou André Ventura em resposta a Rio ter insinuado que caberia ao Chega decidir se preferia ter um governo de direita ou voltar a ter António Costa no poder.
Ainda assim, André Ventura afirmou que o seu principal objetivo é afastar António Costa do poder, garantindo estar disponível para “conversar” com Rui Rio após os resultados eleitorais. Ventura ainda desafiou Rio, por várias vezes ao longo do debate, a dizer em que matérias é que o Chega é tão radical e distante do PSD. Rui Rio declarou que o PSD é fundamentalmente contra a prisão perpétua, ao contrário do partido liderado por André Ventura.
CHEGA vs Livre
Dia 5 de janeiro, terça-feira, foi a vez do líder do Chega e Rui Tavares, presidente do partido Livre, debaterem frente a frente.
Rui Tavares afirmou que o programa eleitoral do Chega não tem nada para oferecer no futuro. André Ventura afirmou que o Livre, por não ter de momento representantes na Assembleia da República, não devia estar presente nos debates televisivos, apesar de terem direito a participar nos debates todos os partidos que nas eleições posteriores conseguiram eleger pelo menos um deputado para o Parlamento.
O dirigente do Livre começou por caracterizar o líder do Chega como o “candidato do sistema” e que o mesmo tinha “todos os favores para ter toda a antena do mundo”. Ventura afirmou que o partido de Rui Tavares tinha o “programa mais anacrónico que existe nas legislativas”, acusando-o de querer “pagar a quem não trabalha e não faz nada”, ao propor medidas como um subsídio de desemprego para quem se despede ou a possibilidade de um rendimento básico incondicional.
Rui Tavares criticou o programa do Chega por não mencionar temas como o ambiente, o interior, a violência doméstica, as cidades ou mesmo bandeiras do partido, como a revisão constitucional ou a instituição de uma IV República. Rui Tavares afirmou que vê Ventura “muito frequentemente atacar quem tem menos”, mas não o vê “a dizer mais que o trivial em relação àqueles que andam a esbulhar o dinheiro que em Portugal pertence às escolas, às bibliotecas e aos hospitais”, respondendo ao ataque de Ventura sobre as suas medidas em relação ao Rendimento Social de Inserção.
Enquanto Ventura focou a sua discussão no aumento de impostos proposto pelo Livre, Rui Tavares realçou a falta de coerência no programa do Chega ao propor diminuição de impostos e o aumento de pensões.
CHEGA vs PS
Quinta-feira, dia 6 de janeiro, o presidente do Chega debateu com António Costa, secretário-geral do Partido Socialista (PS) e atual primeiro-ministro.
Costa iniciou o debate discutindo a posição pessoal de Ventura em relação à vacinação. Também questionou Ventura se uma taxa única de IRS aplicada a todos os cidadãos seria uma medida promotora de justiça. O presidente do Chega criticou a política económica do Governo, dizendo que gerou quase meio milhão de pobres, sobretudo pensionistas e que em Portugal, percentualmente, o desemprego baixou menos do que no país vizinho. “Em Espanha, o desemprego é de 14,5%”, observou Costa, sendo que em Portugal a taxa é de 6.1%. Ventura afirmou perante o secretário-geral do PS que o seu principal objetivo é tirá-lo do governo.
O debate aqueceu nos momentos finais. António Costa assinalou que André Ventura faltou ao Parlamento na votação sobre os diplomas de combate à corrupção num dia em que o mesmo se encontrava em Bruxelas. O deputado do Chega, em resposta, procurou associar António Costa a José Sócrates, apontando-o, erradamente, como ministro da justiça deste antigo primeiro-ministro, quando exerceu essa função no segundo governo de António Guterres. “Em 2019, havia 15 autarcas arguidos por crimes económicos, 14 eram do PS. (…) Oito governantes seus estão a braços com a justiça. Então vem aqui falar de corrupção?”, perguntou André Ventura ao secretário-geral socialista.
O presidente do Chega, na sua última intervenção, disse que António Costa foi apanhado em escutas “a tentar interferir” no processo Casa Pia, em 2003. Tratou-se de um debate repleto de ataques pessoais, assuntos paralelos e pouca discussão política. Não se discutiu medidas de governação, nem ideias para o país.
Debates da Iniciativa Liberal:
IL vs CDS
Quarta-feira, dia 5 de janeiro, Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS-PP, e João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, estiveram em confronto num debate aceso.
Rodrigues dos Santos iniciou a sua intervenção posicionando a Iniciativa Liberal à esquerda, afirmando que a mesma vota “sempre ao lado do Bloco de Esquerda” . “Quando nós somos atacados pela esquerda e pela direita exatamente da mesma maneira, alguma coisa devemos estar a fazer bem”, rematou Cotrim de Figueiredo.
O presidente do CDS-PP tentou acusar a IL de não se preocupar com a vertente social da sociedade, apenas com a economia. Era visível a preocupação do líder do CDS-PP em dissociar por inteiro a Iniciativa Liberal do CDS. João Cotrim de Figueiredo afirmou-se contra o aumento do salário mínimo para 900€ pois considera uma medida inviável na situação económica atual portuguesa, Já Rodrigues dos Santos defendeu a tomada de decisão “em sede de concertação social”.
Ambos salvaguardam que não participarão num governo em coligação com o Chega. A IL afirmou que não fará negociações com um partido que vai contra todas as suas ideologias liberais e o CDS não aceitará que o Chega não se modere.
Os dois dirigentes partidários mostraram estar em desacordo quanto às privatizações da TAP, RTP e Caixa Geral de Depósitos (CGD), com Cotrim de Figueiredo a defender as três e Francisco Rodrigues dos Santos a colocar reticências sobre a venda da RTP e do banco público. “Nós não somos capitalistas selvagens”, afirma o líder do CDS-PP.
Francisco Rodrigues dos Santos admitiu, por fim, estar “disponível” para se entender com João Cotrim de Figueiredo, a quem chamou de “primo moderninho”, em referência ao vídeo da ceia de natal do CDS-PP, caso a IL “deixe de fazer concessões à extrema esquerda em matérias como a eutanásia, o aborto, a prostituição, as drogas leves, a ideologia de género nas escolas e as proibições à tauromaquia”. Cotrim de Figueiredo, que considerou Francisco Rodrigues dos Santos como “o mais novo dos líderes que tem a cabeça mais velha de todos”, respondeu dizendo que “quando se fazem compromissos é respeitando a liberdade dos outros”.
IL vs BE
Quinta-feira, dia 6 de janeiro, João Cotrim de Figueiredo debateu com Catarina Martins, do BE. Tratou-se de um debate mais cordial, no qual se conseguiram discutir mais ideias. As principais acusações chegaram apenas perto do fim.
Impostos, Saúde, Pandemia e Educação foram os temas discutidos. Catarina Martins acusou os liberais de “fazer da irresponsabilidade propaganda” e a IL referiu-se ao Bloco como “bloqueio de esquerda”. A líder do BE criticou, por várias vezes, o facto da IL não ter apresentado o programa eleitoral, até à data.
“Na Saúde, como na escola e um pouco como tudo o resto, a questão da Iniciativa Liberal não é a liberdade de escolha, é colocar o Estado a financiar vários negócios privados. A Iniciativa Liberal, que não gosta nada do Estado, depois quer uma espécie de ‘Estado-papá’ para pagar os negócios de toda a gente”, atirou Catarina Martins, no momento em que o debate chegou ao tema da Educação.
Catarina Martins recordou uma proposta do programa da Iniciativa liberal de 2019, que sugeria que o Estado deixasse de financiar o Ensino Superior Público, “empurrando assim os estudantes para créditos a 30 anos com juros de 3% mais spread para financiarem integralmente os seus estudos”. Assim, a coordenadora do Bloco de Esquerda acusou o partido liberal de “ficar muito caro” à geração mais jovem do país.
Cotrim Figueiredo ripostou: “o Bloco de Esquerda tem zero propostas sobre crescimento económico. Aliás, gostava de saber qual é o modelo económico que o Bloco de Esquerda defende”, dizendo que não queria deixar de falar naquilo que é a prioridade número um do partido, o crescimento económico.
O presidente do partido afirmou também que o BE “que em tempos já foi um partido querido pelas camadas mais jovens, hoje em dia perdeu completamente esta capacidade de ser um farol para aqueles que querem um Portugal mais moderno”.
IL vs PAN
Por fim, na sexta-feira, dia 7 de janeiro, o líder da IL encontrou-se frente a frente com Inês de Sousa Real, presidente do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) para um debate de cariz mais teórico e ideológico.
Ambos os partidos não tomam uma posição concreta no espetro político, unindo-os a rejeição da tradicional dicotomia política. Apresentaram visões muito distintas sobre o Sistema Nacional de Saúde (SNS) e discutiram as prioridades de cada partido para o país, de âmbito muito distinto. PAN atacou a falta de consciência ambiental do partido liberal e IL mostrou-se contra o proibicionismo e a inaplicabilidade de certas medidas propostas pelos opositores. O confronto entre preocupações ambientais e crescimento económico separa os dois partidos.
PAN defende a redução do IRC e desdobramento dos escalões de IRS de 7 para 9, para atenuar o aumento dos custos para as famílias, que pode vir com a taxa de carbono. Se para o PAN as preocupações ambientais são uma questão que merece a mais rápida intervenção, para a Iniciativa Liberal há “um problema de alterações climáticas”, mas as resoluções não devem passar por “soluções radicais” que contrariem o crescimento económico. “Não há possibilidade de reduzir emissões, sem reduzir a atividade económica e, portanto, empobrecer. E nós queremos enriquecer Portugal”.
O PAN defende uma justiça fiscal que crie também justiça social: um alívio da carga de impostos que permita a aplicação de taxas verdes sem asfixiar a economia. Cotrim de Figueiredo defendeu uma “reforma profunda do SNS”. O objetivo, disse, é dar oportunidade de escolha às pessoas entre público e privado. O PAN recusou “transformar a saúde em algo a que só alguns podem aceder”. Inês Sousa Real concordou com o líder da IL, em relação ao facto de o SNS enfrentar uma forte pressão e as demissões que têm ocorrido serem “inaceitáveis”, mas na sua perspetiva a solução passa por mais investimento.
Cotrim de Figueiredo admite estar disponível para integrar um Governo com o PAN, desde que este não tenha “uma daquelas propostas mais bizarras”.
Os debates televisivos dos partidos com assento parlamentar terminam a 17 de janeiro e as eleições legislativas estão marcadas para dia 30 deste mês.