Uma das grandes questões que se esperava que a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (também conhecida como COP26) respondesse era se ainda é possível limitar o aquecimento global para apenas 1,5 graus Celsius, comparado com os níveis pré-industriais. A resposta dada pelos líderes mundiais, após duas semanas de diálogo, foi um “sim” recheado de incerteza, aliado a um acordo considerado “imperfeito” por grande parte dos seus signatários, sempre com o risco de não passar de um plano de intenções.
Após várias versões e reviravoltas de última hora, as negociações em Glasgow, onde se realizou a COP26, conseguiram dar vários passos em frente para mitigar o efeito das alterações climáticas no planeta. Um dos mais significativos foi a menção aos combustíveis fósseis no acordo final, que agora prevê uma “diminuição” do seu uso e exploração. As primeiras versões do documento chegaram até a prever o seu fim, mas a Índia, parte interessada na manutenção da exploração do carvão, conseguiu alterar nos últimos minutos este artigo, deixando delegações como as da Suíça enfurecidas e o presidente da COP26 claramente emocionado.
An emotional Alok Sharma says he is “deeply sorry” for the way the #COP26 conference has unfolded.
Holding back tears, the COP president says “I understand the deep disappointment but it is also vital that we protect this package.”
Read more: https://t.co/qbtRXxkCLQ pic.twitter.com/5RmKuTFlu0
— Sky News (@SkyNews) November 13, 2021
“Peço desculpa, peço muita desculpa. Percebo o desapontamento, mas é vital que protejamos este pacote”, declarou Alok Sharma, com lágrimas nos olhos, ao anunciar o fim das negociações. O Pacto Climático de Glasgow reconhece ainda a importância da ciência, da natureza, dos povos indígenas, de aumentar o orçamento para o combate às alterações climáticas e de acelerar as metas impostas pelos próprios países na redução de emissões de gases poluentes, previstas nas contribuições nacionais voluntárias (NDC), agora revistas todos os anos – embora o acordo preveja que esta revisão possa não ser feita tendo “em conta diferentes circunstâncias nacionais”, o que pode servir como desculpa para alguns não o fazerem.
Outro ponto fulcral nas negociações da COP26 era o aumento exponencial do financiamento para a adaptação às alterações climáticas, de forma a atingir um equilíbrio entre esta componente e a mitigação, que tem recebido um maior apoio financeiro nos últimos anos. Em Glasglow, não se atingiu a divisão igualitária dos 100 mil milhões de euros do fundo climático (ainda não atingidos) para ambas as componentes, mas foram dados vários passos em frente. Já no que diz respeito às perdas e danos – um mecanismo que pretende compensar os países já afetados pelas alterações climáticas -, não foram definidos quaisquer prazos e montantes, mas é a primeira vez que este ponto chega às conclusões de um acordo climático. Os países mais afetados resignaram-se, embora desiludidos, com este pequeno passo, em nome do compromisso, mas esperam que na próxima COP haja avanços significativos nesta área.
“O nosso frágil planeta está preso por um fio” – António Guterres
Esta cimeira também permitiu fechar o Acordo de Paris de vez, através da regulamentação do Artigo 6º do pacto, relacionado com os mercados de carbono. Também aqui não se foi tão longe como várias ONGs e certos países esperavam, com a referência aos direitos humanos a não ser tão abrangente como se pretendia, mas conseguiu-se que a dupla contagem (dois países a contarem para as suas estatísticas a mesma redução de emissões em excesso por uma ação específica) não avançasse.
Numa reação após a aprovação dos documentos da cimeira, António Guterres, secretário-geral da ONU, considerou “insuficientes” os avanços que se fizeram na COP26 para combater as alterações climáticas e relembrou que “o nosso frágil planeta está preso por um fio”, sendo necessário acabar, o mais rápido possível, acabar com o carvão e com os subsídios aos combustíveis fósseis.
A Cimeira pouco ambiciosa
Este resultado “insuficiente” não constituiu propriamente uma surpresa para as ONGs e líderes mundiais. Aliás, já antes da COP26 começar, as expetativas para um acordo sólido e consensual eram moderadas (para não dizer baixas) e a reunião do G20 (as vinte principais potências económicas mundiais), que aconteceu dias antes na Itália, não animou os ativistas climáticos. De Roma para Glasglow, não saíram medidas concretas, apenas compromissos vagos de limitar o aumento da temperatura global para 1,5 graus – o que não é um bom sinal vindo das 20 nações que representam 80% das emissões de CO2. Guterres até deixou o encontro com “esperanças frustradas”.
Mesmo assim, a COP26 ia ser o momento em que o mundo receberia importantes respostas a perguntas deixadas no ar desde o Acordo de Paris. A principal estava relacionada com as NDC, cujo somatório, em 2015, apontava para um aumento da temperatura em 2,7 graus Celsius, e que, cinco anos depois, seriam revistas. O momento chegou, mas os resultados não foram muito positivos, uma vez que o novo somatório indica um aumento da temperatura de 2,4 graus. Num relatório divulgado após a primeira semana de negociações, a junção destas NDC com os compromissos extra até então assumidos na COP indicavam que ainda vamos enfrentar, até ao final do século, um aumento de 2,1 graus – ainda muito longe do objetivo de 1,5.
Mas há aspetos positivos a retirar desta cimeira do clima. Os primeiros anúncios e acordos saídos de Glasgow, embora dignos de acusações de não irem “longe o suficiente”, representam passos na direção certa e exemplo disso foi o anúncio do fim da desflorestação até 2030, uma declaração conjunta adotada por mais de cem países que representam 85% das florestas mundiais, onde se inclui o Brasil, a Rússia e a China – que mesmo assim abre portas a mais uma década de exploração.
Outro passo importante foi o compromisso de mais de cem países, em que Portugal se inclui, de reduzir em 30% as emissões de metano até 2030, em comparação com o ano de 2020. O metano é um gás com o poderoso efeito estufa, muito superior ao mais mediático dióxido de carbono, responsável por cerca de 30% do aquecimento do planeta desde a revolução industrial. De acordo com um comunicado do governo dos Estados Unidos, a concretização do Compromisso Global de Metano reduzirá em pelo menos 0,2 graus celsius o aquecimento global até 2050, “proporcionando uma base fundamental para os esforços globais de mitigação das alterações climáticas”.
Mas o primeiro acordo considerado “histórico” a sair da COP26 foi o anúncio de que mais de 19 países e centenas de instituições financeiras globais iriam deixar de financiar a exploração de combustíveis fósseis a partir de 2022, uma iniciativa que partiu do governo britânico e contou com o apoio dos EUA, mas que deixou de parte a China e o Japão, dois dos maiores financiadores do setor.
Tudo isto não passa de “greenwashing” para as atividades dos governos – James Thorton, fundador da ClientEarth
Mesmo que a lista de países, além de Reino Unido e EUA, não impressione, as mais de 450 instituições financeiras que se comprometeram a deixar de injetar dinheiro nos combustíveis fósseis a partir do final de 2022 são suficientes para que Helen Mountford, especialista em clima do World Resources Institute, citada pela revista Time, se sentisse impressionada: “É tremendamente importante que instituições financeiras que gerem 130 biliões de dólares em ativos estejam agora a liderar o caminho para um futuro de neutralidade carbónica.”
No entanto, há lacunas neste acordo que podem ser aproveitadas para abrir exceções para países e empresas que se comprometeram com o mesmo, o que leva James Thornton, fundador da ClientEarth, a afirmar que tudo isto não passa de “greenwashing” para atividades de governos que continuam a financiar combustíveis fósseis. Exemplo disso é o próprio Reino Unido, fundador da iniciativa, e os EUA que têm projetos de exploração à espera de aprovação e licenças prestes a ser atribuídas.
A contracimeira
Enquanto os líderes mundiais se reuniam, durante duas semanas, no interior do Centro de Exibições e Conferências Escocês, milhares de manifestantes reuniram-se em várias partes do mundo, mas principalmente na cidade de Glasgow, para exigirem mais dos seus governantes no que diz respeito à ação climática. O objetivo é que os políticos passem das palavras às ações e a voz que normalmente encabeça este movimento, Greta Thunberg, fez-se ouvir alto e claramente.
Já antes da cimeira começar, a jovem ativista partilhou na rede social Twitter um apelo aos seus seguidores para assinarem uma carta conjunta em que acusam os líderes mundiais de traição. “Isto não é uma simulação. É um alerta vermelha para a Terra. Milhões irão sofrer enquanto o nosso planeta é devastado – um futuro aterrorizador que vai ser criado, ou evitado, com as vossas decisões. Têm o poder de decidir”, lia-se no website da iniciativa. E foi com esta fúria e sentimento de desilusão que os ativistas marcharam pelas ruas.
Só em Glasgow, estima-se que 100 mil pessoas terão marchado à chuva no Dia Mundial pela Justiça Climática, a 6 de novembro, lideradas por grupos anticapitalistas e ativistas indígenas que se dizem deixados de fora daquela que é a “mais elitista e exclusiva” cimeira de sempre – uma posição corroborada por várias organizações e jornalistas que acusaram a COP26 de limitar a sua entrada no recinto.
Com cartazes reivindicativos e caricaturais e palavras de ordem que não parecem ter tido grande ressonância dentro das quatro paredes do Centro de Exibições e Conferências Escocês, os manifestantes percorreram as ruas de Glasglow com respostas e dando a oportunidade aos mais afetados pelas alterações climáticas, como é o caso dos grupos indígenas, usarem da sua palavra. “É evidente que as pessoas indígenas têm as respostas, têm de começar a ouvir e a pensar sete gerações à frente, não só nas necessidades imediatas,” disse Karahkwintha, 23 anos, à BBC.