Nas últimas semanas, a expressão “crise política” passou a fazer parte do dia a dia dos portugueses. Sem que fosse previsível, Portugal viu-se abatido por um cenário de ingovernabilidade e o Presidente da República (PR) anunciou a dissolução do parlamento. Pela primeira vez em 47 anos de democracia, o Orçamento do Estado foi chumbado e o país vai a votos dia 30 de janeiro.
O cenário de ingovernabilidade
A reprovação do Orçamento de Estado na Assembleia da República (AR) foi a causa da dissolução do parlamento. O Governo não conseguiu chegar a um acordo com os parceiros habituais – Bloco de Esquerda (BE) e Partido Comunista Português (PCP) – e a proposta de Orçamento para 2022 não teve “luz verde”.
O PS, apesar de ser o partido com mais assentos na AR, não é detentor de uma maioria absoluta, pelo que está dependente das negociações com outros partidos. Para que o Orçamento tivesse sido aprovado, o número de votos a favor da proposta teria de ser superior ao número de votos contra, pelo que os socialistas precisavam do voto favorável de mais oito deputados.
Composição do Parlamento Português desde as Legislativas de 2019. Nota: Em 2020, a deputada Joacine Katar Moreira (única representante do partido Livre) passou a “deputada não inscrita”, assim como a deputada Cristina Rodrigues, do PAN.
No limite, poderiam existir 107 votos contra a proposta de orçamento – face aos 108 a favor, vindos do PS – mas isso implicaria a abstenção dos restantes 15 deputados.
Como o PSD, o CDS-PP, o Chega, a Iniciativa Liberal, o PCP, o BE e Os Verdes votaram contra o documento apresentado pelo governo, e apenas o PAN e as duas deputadas não inscritas se abstiveram, a proposta de Orçamento foi chumbada na generalidade. Assim, o Presidente da República decidiu dissolver o parlamento.
Como é que tudo aconteceu?
Fontes: Diário de Notícias e Visão
E depois das eleições?
Com a marcação de novas eleições legislativas, Marcelo Rebelo de Sousa procura “devolver a palavra aos portugueses”, para que se possa resolver o cenário de ingovernabilidade. Contudo, a possibilidade de tudo se manter igual não está descartada.
Eis alguns dos cenários possíveis após as eleições de janeiro:
- “Maioria reforçada” do Partido Socialista – Este foi o cenário a que António Costa apelou no final da sua intervenção na AR. Traduzir-se-ia no aumento do número de deputados da bancada socialista, de modo a atingir a maioria absoluta e não precisar de negociar com outros partidos.
- Maioria de Esquerda (sem maioria absoluta do PS) – Nestas circunstâncias, o PS poderia fazer acordos com qualquer partido à esquerda ou com o PAN. Poderíamos assistir, também, a uma nova “geringonça”, com o regresso do entendimento entre o PS, o BE e o PCP.
- Maioria de Direita – Caso o PSD seja o segundo partido mais votado, mas a Direita consiga estar em maioria na AR, podemos assistir a uma renovada “geringonça”, desta vez com os sociais-democratas, os centristas e os liberais. A dúvida está quanto à integração do Chega nesta equação. Rangel já colocou barreiras a esta possibilidade e Rio, em entrevista à RTP3, afirmou que o “problema desapareceu” – dada a exigência, por parte de André Ventura, em ter lugares no Governo para viabilizar esta solução e a indisponibilidade do líder do PSD para que isso aconteça.
- Maioria absoluta do PSD – Levado pelo “efeito Moedas”, que se fez sentir nos resultados das autárquicas na capital, o Partido Social-Democrata pode conquistar a maioria no parlamento e assumir, assim, o governo.
- Entendimentos ao Centro – O PS e o PSD podem encontrar uma solução assente na negociação entre ambos. Rangel rejeita qualquer entendimento com os socialistas, mas Rio admite a possibilidade de “conversar com o PS”. O líder dos sociais-democratas recusa, no entanto, a formação de um Bloco Central – que exigiria a presença de ambos os partidos no governo.
Os tempos que se seguem são de dúvidas e incertezas na política nacional, mas há uma garantia: os portugueses terão a possibilidade de decidir o rumo do país.