As eleições autárquicas de 2021 devolveram o dinamismo à política portuguesa. Depois de eleições sucessivas onde os resultados pouco se afastaram do que seria expectável, os embates em municípios como o Porto, Lisboa e, até, Coimbra transformaram-se num campo de batalha imprevisível e consequente, que nem as sondagens – o habitual barómetro desta frente de guerra – conseguiram acompanhar.
Numa noite de resultados inesperados, a eleição de Carlos Moedas e a perda da maioria absoluta de Rui Moreira na Câmara do Porto encheram as manchetes dos jornais e, ainda hoje, corre tinta sobre qual será a melhor forma dos dois autarcas resolverem o quebra-cabeças que se tornou a governação das duas maiores Câmaras do país.
Sem maiorias absolutas e com uma oposição pouco (ou nada) predisposta a acordos, Rui Moreira e Carlos Moedas têm agora de “dar asas” às suas capacidades de mediação e diálogo para construírem pontes com outros partidos, de forma a viabilizarem orçamentos ou, no pior caso, conseguirem sobreviver a duodécimos – sempre com a iminência de eleições intercalares a pairar-lhes sobre a cabeça.
Uma “navegação de cabotagem”
No caso de Rui Moreira, o puzzle, embora complexo, não necessita de tantas peças para ser completado como o de Carlos Moedas. As eleições do passado dia 26 de setembro atribuíram seis vereadores, num total de treze, ao autarca portuense, ficando assim a apenas um da maioria absoluta. O resultado não foi mau – Rui Moreira conseguiu mais de 40% dos votos -, mas ficou aquém das expetativas e dos objetivos traçados pelo “Aqui Há Porto”, movimento independente do qual Moreira era cabeça-de-lista à Câmara Municipal.
“Rui Moreira apostou todas as fichas, pedindo a maioria no órgão executivo, na Assembleia Municipal e em todas as Assembleias de Freguesia – mas nenhum destes três objetivos foi alcançado”, relembra André Lamas Leite, professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP) e cronista no jornal Público, que previa negociações complicadas com os partidos da oposição, que não deveriam culminar em acordos formais e atribuições de pelouros.
No entanto, o acordo formal chegou esta quarta-feira à noite, com o movimento “Aqui Há Porto” a anunciar que os contactos com o PSD foram frutíferos, estando os vereadores sociais-democratas dispostos a ajudar o movimento de Rui Moreira a chegar a uma solução que incorpore algumas das suas principais propostas para a cidade, mas sem qualquer atribuição de pelouro. “Este acordo é feito com o objetivo de garantir a estabilidade governativa e acordar medidas para o futuro da cidade”, lê-se num comunicado enviado às redações, depois de semanas de negociação entre Moreira e o partido, que até passaram pela atribuição da vice-presidências ao PSD, como revelou o jornal PÚBLICO.
A Assembleia Municipal foi o outro órgão em destaque nesta negociação, onde o movimento de Rui Moreira não conseguiu a maioria pretendida e ficou-se pelos 34,51%, perdendo até um deputado. O PSD vai agora apresentar o nome de Sebastião Feyo de Azevedo, antigo reitor da Universidade do Porto, para a presidência deste órgão – uma candidatura que vai ter o total apoio do movimento de Rui Moreira e que lhe permitirá manter a influência sobre o órgão fiscalizador do executivo municipal.
Apesar de semanas pautadas de grandes incertezas, o autarca portuense conseguiu ultrapassar as conhecidas “más relações entre os Ruis [Rui Moreira e Rui Rio]”, como relembra André Lamas Leite, e chegar a um acordo que lhe vai permitir, em princípio, governar o Porto com estabilidade pelos próximos quatro anos – isto é, caso não seja condenado no caso Selminho.
Aliás, em reação ao acordo governativo celebrado entre o PSD e Rui Moreira, Sérgio Aires, vereador eleito pelo Bloco de Esquerda, foi o único a pôr o dedo nessa ferida. Depois de uma campanha onde discutir o caso Selminho foi quase tabu, o vereador quer, agora, saber o que é que o partido de Rui Rio fará se Moreira for condenado e perder o mandato, aproveitando ainda para criticar a sua falta de “ética política”. Uma posição seguida pelo PS, que acredita que “estes acordos de bastidores, contrários a tudo o que foi dito em campanha, representam o pior da vida política”.
O impasse de governação em Lisboa
Já em Lisboa, o caso toma contornos mais contundentes. Com apenas seis vereadores eleitos (o mesmo número que o PS), Carlos Moedas vê-se confrontado com uma maioria de esquerda que não se pretende vergar à sua vontade e com a única solução à sua direita, o Iniciativa Liberal, a não ser suficiente para chegar à maioria absoluta. Como a lei autárquica não permite coligações no pós-eleições (ao contrário do que acontece com as legislativas, onde, em 2015, o país assistiu à criação da infame “Geringonça”), Moedas vai ter, agora, de liderar Lisboa cedendo espaço à esquerda e comprometendo os “Novos Tempos” que queria dar à cidade – pelo menos, pelos primeiros seis meses.
É que a única forma que Carlos Moedas tem de sair do impasse de governar a capital em duodécimos – uma vez que a aprovação de orçamentos, nestas condições, torna-se virtualmente impossível – é através da realização de eleições intercalares, que, segundo a Lei Orgânica nº1/2001, de 14 de agosto, só podem ser realizadas seis meses após instalada a Câmara, e nunca seis meses antes das próximas eleições autárquicas.
O executivo camarário pode cair de duas formas distintas: seja pela aprovação de uma moção de censura por parte da oposição, ou através da renúncia do mandato por parte do executivo, se este se vir impossibilitado de aprovar diplomas estruturantes para a sua governação. Mas estará a maioria de esquerda interessada em fazer cair o executivo?
André Lamas Leite acredita que, “pelo menos nos primeiros tempos”, isso não deverá acontecer, até porque existirá sempre o risco de os resultados pouco mudarem ou Carlos Moedas vir a sua maioria reforçada. “Não é de antever, pelo menos no primeiro ano de instalação deste executivo, que os partidos forcem uma queda”, afirma o professor, que não descarta a hipótese de eleições intercalares caso a popularidade de Moedas comece a diminuir, seja devido a uma eventual má gestão da Câmara ou, até mesmo, à impossibilidade de governar em plena capacidade.
Editado por: João Múrias