Durante uma hora, Catarina Martins esteve disponível para responder às inquietantes questões dos estudantes universitários, sobre as visões que a atual coordenadora do Bloco de Esquerda tem para o país. A democracia, a reestruturação do poder económico e o progresso social foram alguns dos temas em reflexão.
Na passada sexta-feira, 28 de maio, realizou-se a segunda sessão do “Política a Triplicar”, promovida pela Academia Política Apartidária. A convidada de honra foi Catarina Martins, coordenadora nacional do Bloco de Esquerda (BE) desde 2012 e deputada à Assembleia da República, pelo Porto, desde 2009. Desta vez, a atividade ocorreu virtualmente, mas isso não impediu que houvesse muitas mãos no ar e perguntas a responder.
Nos primeiros minutos, enquanto os participantes se juntavam à videoconferência, Catarina Martins confidenciava a ligação da deputada à cidade Invicta. Entretanto, dava-se início à sessão de perguntas e respostas. De forma organizada, cada jovem estudante colocou as suas questões e a líder bloquista mostrou-se imediatamente pronta a responder.
Na primeira pergunta, Catarina Martins começa por esclarecer que apesar de o BE nunca ter chegado ao poder, conseguiu alterar uma série de matérias, comprovando “a influência que o Bloco de Esquerda teve na transformação da sociedade portuguesa.” A coordenadora do partido exemplifica a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a despenalização da interrupção voluntária da gravidez e a diminuição do consumo de heroína nos anos 90, com a lei da descriminalização do consumo de todas as substâncias psicoativas. No entanto, Catarina Martins admite que o partido tem sido “derrotado” em relação à estrutura económica do país. “Nós fizemos denúncia [sobre o sistema financeiro], mas ainda não tivemos força suficiente para construir uma alternativa”, referiu a líder bloquista.
“Se não fizermos isso pela democracia, o poder económico é que manda – e o poder económico não é democrático.”
Catarina Martins ainda explica que “as pessoas têm muita dificuldade em conceber um poder económico diferente e em conceber uma posição diferente daquela que tem vindo a ser o coração da política europeia”. “Um bocadinho como se o nosso país não pudesse disputar a política, fosse como espectador da política”, reitera a deputada. Segundo a coordenadora, a pandemia agravou a situação precária de muitos trabalhadores que não têm qualquer tipo de apoio da Segurança Social. Assim, alerta para a necessidade de combater esta realidade, porque “se os Estados não são capazes de equilibrar os pratos da balança, entre o poder económico e os direitos dos trabalhadores, o poder económico ganha sempre”. “Se não fizermos isso pela democracia, o poder económico é que manda – e o poder económico não é democrático”, conclui Catarina Martins.
Outro dos temas abordados na sessão foi a relação dos jovens com a política. A líder bloquista considera que, de forma negativa, há um “paternalismo” e uma “infantilização” das gerações mais novas: “as gerações mais velhas gostam de dizer que as gerações mais novas não ligam nenhuma à política”. A deputada aponta ainda que a Revolução de 25 de Abril foi feita por jovens na casa dos vinte anos, comprovando que as gerações mais novas estão aptas para tomar decisões que determinam o rumo do país.
Catarina Martins afirma também que, atualmente, há uma maior intensidade no debate político entre os mais jovens, o que acaba por contribuir para que esta faixa etária esteja mais disposta a mudanças maiores, uma vez que “se sente mais a par da construção das décadas que hão de vir e tem menos a perder com essa mudança”. No entanto, a líder bloquista revela estar preocupada com a baixa participação eleitoral dos mais jovens, explicando que “as gerações mais velhas estão mais comprometidas com o processo de construir a democracia, porque sabem o que é não poder votar”.
“Nunca esquecer que a agressão simbólica que é feita por quem aparece de fatinho na televisão, se transforma na agressão nada simbólica que as pessoas vivem todos os dias, nas opressões do quotidiano”.
Uma nova questão foi colocada, o rumo da conversa mudou e começou-se a falar do crescimento do discurso de extrema-direita no país. Catarina Martins reforça, desde o início, que “nunca nada está garantido, nem a democracia, nem os direitos humanos.” A deputada reconhece que “sempre existiu um eleitorado xenófobo, racista, misógino e homofóbico em Portugal”, mas que, agora, este se vê representado num partido com assento parlamentar.
Há uma “normalização política pelo centro e pela direita do discurso da extrema-direita”, que constitui um perigo para a democracia e para as minorias, diz Catarina Martins. De acordo com a deputada, o conformismo não será solução: “se aceitamos que este [discurso da extrema-direita] seja normalizado, os níveis de agressão vão aumentar”. “Nunca esquecer que a agressão simbólica que é feita por quem aparece de fatinho na televisão, se transforma na agressão nada simbólica que as pessoas vivem todos os dias, nas opressões do quotidiano.”
“Não há nenhum partido à esquerda que não respeite a Convenção dos Direitos Humanos, que não respeite o Estado de direito, que não respeite a pluralidade da democracia.”
Posteriormente, a dirigente bloquista foi confrontada, por um estudante, com a ameaça que a extrema-esquerda também representa para o país, alegadamente organizada no Partido Comunista Português e no Bloco de Esquerda. A coordenadora do BE defende-se, afirmando não conhecer nenhum movimento organizado da extrema-esquerda em Portugal. A deputada acredita que “isso é uma falsa questão” usada “para a direita dita conservadora ou liberal se desculpar da aproximação à extrema-direita” e “para se legitimar o discurso de ódio”, que para Catarina Martins existe nos dois lados do espectro político nacional. “Não há nenhum partido à esquerda que não respeite a convenção dos Direitos Humanos, que não respeite o Estado de direito, que não respeite a pluralidade da democracia”, concluiu.
Em seguida, em novo rumo dado à conversa, uma aluna questionou Catarina Martins sobre como é será possível garantir que as alterações na lei portuguesa são realmente concretizadas na sociedade em geral. A deputada respondeu que a meta “é sempre o que se pode fazer além disso” e que “essa é a pergunta-chave da democracia”. “A democracia não são as leis, é muito mais do que isso. Há muitas conquistas que nós temos na lei, mas que não temos na sociedade”, salienta. A dirigente do BE deu ainda como exemplo a luta pela igualdade de género, na qual já há legislação sobre o assunto, mas se continua a viver “numa estrutura patriarcal e capitalista” que discrimina as mulheres.
“A democracia não são as leis, é muito mais do que isso. Há muitas conquistas que nós temos na lei, mas que não temos na sociedade.”
Entretanto, houve ainda tempo para se falar do Sistema Nacional de Saúde. Catarina Martins defende que este “foi uma das maiores conquistas da democracia”, mas que “já tem muitas décadas e não foi feito para esta população”. A deputada considera urgente modernizar e atualizar o SNS: “Não foi feito para uma população envelhecida, com o crescer da doença crónica e para uma tecnologia extraordinária e uma especialização que há hoje”. Assim, para a líder partidária, será necessário reorganizar os serviços em termos de especialização e as carreiras dos profissionais de saúde.
No final da atividade, Catarina Martins admitiu que gostou muito de “partilhar este bocadinho” e fez um balanço positivo da sessão, acreditando que, numa hora, a dirigente bloquista e os estudantes universitários que marcaram presença conseguiram “ter, ainda assim, perguntas” e “respostas suficientemente densas para o debate ser particularmente interessante”.