Debater a relação entre os jovens e a política não é, propriamente, algo novo e a super-equipa que a APA, a SdDUP e a ELSA-UP montou sempre teve isso em mente, não fosse ela composta por quatro dirigentes políticos que se destacam pela sua tenra idade. Os jovens estão, realmente, afastados da política? Num debate que se tem arrastado há décadas, talvez seja melhor invertermos a pergunta: poderá a problemática residir nas formas obsoletas de fazer política que não se adequam a novos métodos de ativismo, germinados nas camadas mais jovens da população?
O desafio é lançado por Luís Monteiro, deputado pelo Bloco de Esquerda na Assembleia da República. Na ótica do bloquista, é preciso expandir os horizontes conservadores daquilo que é considerado política e olhar para exemplos como a Greve Climática Estudantil, que são mais do que “um grito de uma geração preocupada com o ambiente”. “Muita gente não considera isto política, mas é! Há hoje uma capacidade maior de medir, de uma forma mais precisa e plural, o que é participar na política, que não sejam só casos de representatividade ou movimentos já consensualizados”, explica o também museólogo.
“Nunca me conseguiram convencer que a grande abstenção vinha deles [dos jovens]”, afirma Hugo Carvalho.
Para Hugo Carvalho, deputado pelo PSD, é claro que existem “telhados de vidro para quebrar” no que diz respeito à participação dos jovens na política, mas a forma como ela tem sido medida é defeituosa. “Muitas vezes, vemos os jornais a porem a culpa da abstenção nos jovens. No entanto, nunca me conseguiram convencer que a grande abstenção vinha deles, uma vez que não é possível medir isso agora”, afirma. É também preciso relembrar que o espaço dos jovens não é “uníssono”, como realça Luís Monteiro, sendo necessário afinar algumas diferenças entre regiões e classes sociais, por exemplo, para perceber onde reside a problemática.
“Muitas das vezes, somos inundados por informação do ponto de vista quantitativo e qualitativo que não nos diz nada em relação a este tema”, acaba por acrescentar o bloquista. Com novos campos de participação política a aparecerem nas últimas décadas, torna-se necessário perceber como é que os partidos políticos e as associações se podem conectar com as novas gerações – mas, primeiro, é preciso perceber quais são os “telhados de vidro” que Hugo Carvalho falava.
A “grande oportunidade” das autárquicas
Miguel Costa Matos, secretário-geral da Juventude Socialista, apresenta a falta de “credibilidade política” como o mais espesso argumento para o afastamento dos jovens – e não advém apenas da corrupção. Um discurso vazio e de “nims”, onde não são tomadas posições concretas para os problemas que afligem as gerações mais jovens da sociedade, torna a participação política “desmotivante”, ao que acresce a falta de capacidade de comunicação. “Faltam protagonistas jovens a comunicar para chamar os outros da geração”, complementa.
Já para Francisco Camacho, líder da Juventude Popular, a escola também tem um papel neste desinteresse. A abertura que devia existir para a comunidade estudantil envolver-se na dinâmica escolar é muitas vezes “desincentivada” e “boicotada” pelo corpo docente, em vez de constituir um “espaço de formação cívica” – um problema que a pandemia veio agravar ainda mais, segundo o dirigente político. “A escola deve ser um veículo que não restrinja a participação cívica dentro e fora do seu contexto, com uma carga horária mais flexível, por exemplo”.
“O que faz um jovem que acaba um curso superior e paga 800€ para ter um T2? Simplesmente, não consegue”, explica Luís Monteiro.
No entanto, Francisco relembra que, em 2021, existe uma “grande oportunidade para fomentar esta participação”: as autárquicas. Existe “muito a fazer e muitas soluções a serem encontradas” e, para Luís Monteiro, a melhor forma de termos os jovens a participar nas eleições locais é dar resposta a alguns dos problemas que os afligem. “Por exemplo, na habitação: o que faz um jovem que acaba um curso superior e paga 800€ para ter um T2? Simplesmente, não consegue. Nós pomos a pressão toda sobre o Estado central, mas o poder local deve lutar contra isto também”, ressalva.
Poder esse que também não está isento de críticas. Segundo Hugo Carvalho, existem problemas estruturais nos órgãos autárquicos que impossibilitam uma participação mais ativa dos jovens e, quando ela existe, é reduzida à “auscultação”. “Os Conselhos Municipais de Juventude são reuniões do presidente de Câmara com as associações juvenis e juventudes partidárias da terra e têm uma cultura de participação parecida a uma gaveta. O decisor político abre-a, ouve os jovens e depois volta a fechar”, vinca o deputado social-democrata. É necessário, então, dar poder executivo aos jovens, através de, por exemplo, orçamentos participativos que eles possam executar, de forma a aumentar “o impacto das políticas para a juventude”.
“Não queremos disputar apenas o lugar número um, mas a igualdade de circunstâncias com as gerações mais velhas”, reivindica Miguel Costa Matos.
Para além disso, também se instalou uma “cultura de poder” no seio dos grandes partidos portugueses, onde as pessoas que a ajudaram a formar, há mais de 40 anos, continuam a ocupar as suas fileiras principais. “Há uma cultura de poder que temos de reformar, mesmo na própria militância, na facilidade de entrar no partido. É preciso frontalidade neste debate”, conclui Hugo Carvalho, acrescentando ainda que “a política pública vai ter uma assinatura mais jovem, quanto mais jovem for a mão que a escreve”.
É preciso aumentar a representação jovem nos cargos de decisão política, mas para Miguel Costa Matos não é preciso almejar o topo. Para o deputado socialista, ter secretários de Estado, presidentes de Câmara e ministros jovens é um “nice-to-have”, não uma questão determinante. “O importante é ter as oportunidades e responsabilidades de fazer a diferença na Assembleia da República, nas [Assembleias] Municipais, termos vereadores jovens… isso sim, é estarmos a dizer que não queremos disputar apenas o lugar número um, mas a igualdade de circunstâncias com as gerações mais velhas”, afiança.
Juventudes Partidárias: espaço de formação ou burocracia dispensável?
A batalha por uma democracia mais representativa pode muito bem começar pelas juventudes partidárias, segundo Francisco Camacho. O líder da JP rejeita que este tipo de organizações sirvam para dar “tachos” aos seus dirigentes e membros, embora reconheça que existe uma raiz para este preconceito. “Existe uma tendência perversa, sim, e há um caminho a fazer quanto a nomeações. Esse caminho deve ser para, tendencialmente, diminuir a margem de nomeação e apostar em concurso públicos, totalmente transparentes”, explica.
Dá o exemplo da Juventude Popular, uma “escola de formação política e de cidadania muito importante”, que contribui para “uma proximidade saudável junto dos representantes políticos”. É um canal para fazer valer ideias dos mais jovens, que se podem alastrar a todos os temas da sociedade, mas será necessário haver uma separação formal entre gerações?
“As juventudes partidárias são mais do que uma escola – são um movimento social”, conclui Miguel Costa Matos.
No Bloco de Esquerda, pelo menos, a resposta é não. De acordo com Luís Monteiro, “aquela ideia de que se os jovens não tiverem um espaço próprio, os seus temas vão ser abafados é errada” e ganha-se muito mais numa discussão que se assuma como “100% intergeracional”. Quando entrou para o partido com 16 anos, o agora deputado sentia que “podia decidir sobre tudo” internamente, tendo o mesmo “poder de voto e possibilidade de eleição para os órgãos do partido” que outros militantes mais velhos.
Num país em que a política se faz de forma demasiado formal, as juventudes acabam por sofrer das mesmas características, segundo o bloquista, o que impede “passos importantes no debate político” – uma posição com que Miguel Costa Matos não está completamente de acordo. Para o socialista, as juventudes partidárias servem como “oportunidade de escolher uma representação geracional” e posicionam-se como “mais do que uma escola” – é um “movimento social”.
“[Nas redes sociais] os jovens são os maiores interlocutores”, acrescenta Francisco Camacho.
“Nós temos juventudes partidárias para dar aos jovens o espaço para poderem organizar-se, falar entre si, dos temas que lhe dizem respeito e outros, assumir a sua opinião, entre jovens”, complementa o secretário-geral da JS, rejeitando a ideia “paternalista” de que devem ser os mais velhos a deixar os mais novos fazer política. “É algo que queremos afirmar por nós próprios”, conclui.
O caminho ainda é longo, como admitem, mas a relação entre jovens e política estará longe de ser falhada. Hugo Carvalho apelida a mesma como “tremida”, enquanto Francisco Camacho recusa a existência de “muros” na relação. “Tem de existir uma nova mobilização das novas gerações e, hoje em dia, há plataformas consequentes, menos institucionais, que permitem isto”, acrescenta. E lá, os jovens são “os maiores interlocutores”.
Se queres saber mais sobre a relação dos jovens com a política e como esta pode ser incentivada, vê aqui a conversa completa da “super-equipa” que a APA, a ELSA-UP e a SdDUP juntou em conversa: