Na passada segunda-feira, 15 de março, o Tribunal Constitucional chumbou a lei da eutanásia, com sete votos a favor e cinco votos contra o acórdão que declara a inconstitucionalidade da lei. Horas mais tarde, foi a vez de Macelo Rebelo de Sousa vetar o diploma, devolvendo-o à Assembleia da República, que poderá reformulá-lo ou abandoná-lo.
O projeto de lei que despenaliza a morte medicamente assistida tinha sido aprovado no final do mês de janeiro pelo Parlamento. No entanto, o Presidente da República considerou que o diploma continha “conceitos altamente indeterminados”, enviando-o ao Tribunal Constitucional (TC) para fiscalização preventiva.
A maioria dos juízes do TC acabaram por ir, em parte, ao encontro da contestação elaborada por Marcelo. No que se refere ao “caráter excessivamente indeterminado do conceito de sofrimento intolerável”, mencionado no documento entregue pelo Presidente, o tribunal considerou que esse conceito é “determinável de acordo com as regras próprias da profissão médica”, não sendo, portanto, incompatível com qualquer norma constitucional. Contudo, o Tribunal Constitucional entendeu que o conceito de “lesão definitiva de gravidade extrema” é impreciso, não definindo com rigor “as situações da vida em que pode ser aplicado”. Deste modo, os juízes publicaram um comunicado em que concordavam com a segunda dúvida levantada pelo Presidente da República e decretaram a inconstitucionalidade da lei.
Lei chumbada, mas pode “ir a recurso”
Apesar de a lei da eutanásia ter sido declarada inconstitucional e, posteriormente, vetada por Marcelo Rebelo de Sousa, isto não significa que no futuro não seja aprovada. No pedido de fiscalização preventiva não constava nenhuma menção sobre uma possível inviolabilidade da vida humana, consagrada no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Porém, o TC decidiu pronunciar-se também sobre este assunto, referindo que “o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias”.
No mesmo comunicado, o tribunal deu ainda a entender que “a conceção de pessoa própria de uma sociedade democrática, laica e plural dos pontos de vista ético, moral e filosófico, que é aquela que a Constituição da República Portuguesa acolhe, legitima que a tensão entre o dever de proteção da vida e o respeito da autonomia pessoal em situações-limite de sofrimento possa ser resolvida por via de opções político-legislativas feitas pelos representantes do povo democraticamente eleitos, como a da antecipação da morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa”. Isto trocado por miúdos significa que o Tribunal Constitucional poderá dar luz verde ao projeto de lei do Parlamento sobre a eutanásia caso as suas condições sejam “claras, precisas, antecipáveis e controláveis”.
Os partidos responsáveis pela elaboração do texto final já reagiram à decisão do tribunal e estão dispostos a alterar o diploma final nos moldes mencionados.
Especialistas não adivinham uma tarefa fácil
Não obstante ao “sinal de esperança” que parece ter sido dado pelo Tribunal Constitucional, dois constitucionalistas, em declarações ao jornal Público, consideraram que o caminho até à constitucionalidade da lei não é pera doce.
Paulo Otero expôs que os deputados podem tentar definir com exatidão o conceito de lesão definitiva de gravidade extrema, “mas fazê-lo é tão difícil, em termos técnico-científicos, que é de facto mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha”. Por sua vez, José de Melo Alexandrino disse que depois do chumbo “há muito mais dificuldades em encontrar uma solução que corresponda às objeções do TC do que antes deste acórdão”, devido à forma como o Presidente da República colocou a questão ao tribunal. Marcelo, ao questionar “os conceitos excessivamente indeterminados”, em vez de uma possível incompatibilidade com o direito à vida, presente na Constituição, “pôs o dedo na ferida”. Caso tivesse pedido a fiscalização preventiva nesse sentido, o constitucionalista acredita que a lei teria sido aprovada.
Paulo Otero, na mesma entrevista, referiu ainda que se houver outra lei, Marcelo Rebelo de Sousa pode voltar a pedir uma nova fiscalização preventiva e a “emenda pode ser pior do que o soneto”.
É ainda de salientar que, do outro lado da barricada, estão os opositores à eutanásia. A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e o movimento Stop Eutanásia avaliaram o chumbo da lei da eutanásia com bons olhos. Em comunicado, o movimento prezou a decisão dos juízes do Tribunal Constitucional, encarando-a como “um sinal positivo (…), em defesa da vida e da dignidade do ser humano em qualquer circunstância”. O Stop Eutanásia aproveitou o momento para corroborar a ideia de que “a prática da eutanásia é manifestamente oposta à defesa da vida”. Numa nota divulgada na internet, a CEP reafirmou, uma vez mais, a posição da Igreja sobre o assunto, defendendo que “qualquer legalização da eutanásia e do suicídio assistido é sempre contrária à afirmação da dignidade da pessoa humana e à Constituição da República Portuguesa”.