Explicar a ascensão e declínio dos extremos do espectro político não é algo novo, mas com certeza está na moda. Com a extrema-direita a proliferar-se e a ganhar terreno na máquina governativa dos países europeus – e não só -, é impossível não estabelecer conexões com o período entre guerras – mas, desta vez, a discussão não se faz só na academia. As redes sociais tornaram o terreno fértil para movimentos radicais ressurgirem, mas também é diante destas que as vozes progressivas se fazem ouvir mais alto.

Durante quase uma hora, na sexta Political Talks promovida pela Academia de Política Apartidária, Luís Pedro Nunes, comentador político no programa Eixo do Mal, da SIC Notícias, e cronista do Expresso, e Miguel Almeida Chaves, professor e investigador de Sociologia na Universidade Nova de Lisboa, confrontaram o passado, explanaram o presente e tentaram prever o futuro, onde acreditam que os movimentos extremistas vão ser os grandes protagonistas.

O presente como espelho do passado

Para Miguel Almeida Chaves é importante realçar que, no contexto atual, os dois extremos políticos não estão em pé de igualdade. Em Portugal, os movimentos e partidos apelidados de extrema-esquerda, durante anos, não tiveram grande expressão. É a geração jovem que está a dar um novo alento a estes movimentos que lutam por uma alterglobalização, que o investigador afirma quererem “o controlo de capitais e mercados” e criar uma “organização de trabalhadores mundiais e organizações ecologistas, feministas, LGBT e antirracistas”.

Luís Pedro Nunes segue a mesma corrente de pensamento, mas acrescenta que os partidos políticos portugueses ainda não conseguiram chegar às reivindicações desta geração mais woke, como a apelida. “Em Portugal, temos um Bloco de Esquerda que está sem causas e temos pouca pessoas a reivindicar um discurso de género e racial. Tudo se resume a Mamadou Ba e Joacine”, afiança.

“A falta de reconhecimento e humilhação social de certas classes reflete-se na sua própria imagem e faz com que escolham como inimigos grupos étnicos”, refere Miguel Almeida Chaves.

E é aqui que Portugal se diferencia da maior parte dos países europeus. É que, segundo o cronista do Expresso, os discursos de ambos os extremos costumam andar e crescer em espelho, o que não se tem verificado no caso português.

A extrema-direita está a ganhar este embate por uma larga margem e o seu grande protagonista é o Chega, partido de André Ventura. Segundo Luís Pedro Nunes, “todos os dias somos confrontados com a eventualidade de um resultado eleitoral que dá muito poder a esse partido”, o que seria surpreendente, considerando a idade do mesmo – apareceu há menos de dois anos.

Mas como é que se explica este crescimento súbito? Para Miguel Almeida Chaves podemos adaptar a literatura dos anos 70 para explicar este fenómeno, que dá uma grande relevância às “questões de frustrações de expetativas e status, sobretudo às que acontecem nas antigas classes médias e trabalhadoras, órfãs da industrialização”. Existe um entendimento de “falta de reconhecimento e humilhação social” nestas classes, o que, de certa forma, se reflete “na sua própria imagem e faz com que escolham como inimigos grupos étnicos”. É uma “luta de injustiçados”, exclama Luís Pedro Nunes.

“Nós retiramos a honestidade do jogo e subjugamos tudo o resto aos nossos interesses”, diz Luís Pedro Nunes, sobre os motivos de adesão à extrema-direita.

Para o também jornalista, a política de tabu, onde “não se fala disso, porque já passou”, é outra das razões para a consolidação do partido de André Ventura. “Parece que foi um choque alguém dizer que somos um país racista. Nunca se tinha posto em causa os ciganos, nem mesmo no Alentejo, e o Chega está a capitalizar bem isso.” É nas redes sociais que estes discursos têm ganho palco, através da criação de “câmaras de eco”, onde os seus intervenientes não são confrontados com outras opiniões e realidades para além das suas ideologias reacionárias, onde ideias como “Angola é nossa!” e os “ciganos não fazem nada” ganham terreno.

Para além disso, estamos perante um regime de pós-verdade, onde os factos e as evidências são subjugados a preconceitos falsos, criando uma “impermeabilidade da consciência face à verdade”, como afirma Miguel Almeida Chaves. Este regime “põe em causa a ideia de que a mentira e o obscurantismo não iriam resistir à demonstração da sua falsidade”, retirando a honestidade do topo da hierarquia de valores que se procuram num político.

“É interessante pensar como várias pessoas conseguem olhar para um homem, só ver uma característica sua ali representada e ignorar tudo o resto. Nós retiramos a honestidade do jogo e subjugamos tudo o resto aos nossos interesses: não interessa que seja um aldrabão, mas é o único que defende uma certa ideologia que temos”, explica Luís Pedro Nunes.

A afirmação foi feita com Trump em mente, mas a situação transcende a vida política americana. Em Portugal, André Ventura é um exemplo perfeito disto mesmo, segundo o comentador político. Com um sistema que usa os outros para sobreviver, aliado a um partido de um homem só, o Presidente do Chega não é afetado com a sua falta de honestidade e consegue mobilizar várias fações da sociedade, que “não gostam necessariamente umas das outras, mas veem em André uma característica sua”.

O magnetismo dos extremos

As bases para o crescimento dos extremismos políticos já foram lançadas há muito, mas a pandemia da Covid-19 veio pô-las ao descoberto e, até mesmo, a mobilizá-las. Miguel Almeida Chaves recupera as palavras de Guterres para marcar um ponto de diferenciação na política mundial pré e pós-Covid: “a pandemia pode servir de pretexto para cortar as liberdades em vários países. Vai ser um gerador de nacionalismos, fecho de fronteiras e recrudescimento de autoritarismos”.

E é neste futuro próximo que os dois intervenientes desta Political Talks ponderam sobre o lugar dos jovens. Um adolescente, “que passe um ano e meio neste medo do confinamento”, vai “mudar a sua forma de ver e intervir no mundo” – ou assim espera Luís Pedro Nunes, que afirma que não vai ser no centro que os jovens vão encontrar as respostas às suas aflições. “Há até a possibilidade de os extremos esmagarem o centro e ele desaparecer”, dramatiza o cronista.

“É nos extremos que há algo motivador, seja salvar o mundo ou recuperar o passado”, salienta Miguel Almeida Chaves.

Já para o professor universitário, existem, pelo menos, duas razões óbvias para os partidos de centro não estarem a atrair a camada mais jovem da população. A primeira é por se concentrarem apenas em questões económicas e financeiras, o que leva “a maior parte das pessoas a entenderem o país como uma grande empresa, orientada sob o desígnio do crescimento económico”, o que não é, particularmente, atrativo. Para além disso, Miguel Almeida Chaves fala de falta de visão estratégica a longo prazo nos últimos governos, um plano para Portugal, que estava presente nos governos de Cavaco Silva e, “de certa forma, até no de Sócrates”.

É nos extremos que há algo motivador, seja salvar o mundo ou recuperar o passado e os seus “heróis”. O investigador da Universidade Nova de Lisboa acha até “irónico” como são estes movimentos que têm aumentado a participação jovem na política. Eles podem até nem ir votar tanto como os mais velhos, “mas há uma participação quotidiana dos jovens na vida política, através das redes sociais, maioritariamente”. Miguel relembra o episódio em que, num debate escolar, promovido por uma associação de estudantes, onde se discutia questões raciais, um grupo de jovens interveio com símbolos e comentários neonazis. “Não sei se esta ação é algo inédito ou muito pouco frequente, mas é um confronto politizado que não acontecia desde os anos 70.”

 

Se queres saber mais sobre esta análise da ascensão de movimentos extremistas em Portugal e por todo o mundo, vê aqui a versão completa da sexta Political Talks:

 

Revisto por Pedro Valente Lima.