O PS e o PSD chamaram-nas de “cirúrgicas”, mas, para Aurélio Ferreira, presidente da Associação Nacional dos Movimentos Independentes (AMAI), as alterações à lei eleitoral autárquica vieram “matar” as candidaturas independentes.
Promulgada em meados de agosto, a nova lei coloca vários entraves a grupos de cidadãos que queiram concorrer a órgãos locais. Em primeiro lugar, e aquele que Aurélio Ferreira considera ser mais fraturante, está a necessidade de serem constituídos movimentos independentes distintos para a eleição em Juntas de Freguesia e para as Câmaras e Assembleias Municipais – mesmo que os candidatos façam parte da mesma iniciativa.
Isto significa que, na prática, os grupos sem afiliações partidárias terão de recolher o dobro das assinaturas para se fazerem representar nas listas dos três órgãos que vão a eleições nas Autárquicas, num período de confinamento que restringe o contacto entre pessoas. “O que vai acontecer é que o mesmo cidadão que vai votar para a Câmara e Assembleia Municipal num grupo de cidadãos, se quiser votar no mesmo [para a Junta de Freguesia], não pode. Tem de votar noutro, o que causa, aqui, uma enorme confusão”, explica à rádio Observador.
As novas alterações à lei eleitoral vieram, ainda, impedir que um movimento independente utilizasse as designações de “partido” ou “coligação” na sua denominação. Para além disso, basta um juiz de comarca (e de turno) não aprovar o nome do movimento para todas as assinaturas recolhidas e apresentadas serem invalidadas, o que obrigaria os grupos de cidadãos a repetirem a recolha. Considerando que as candidaturas têm de ser apresentadas, no máximo, 50 dias antes das eleições autárquicas – o que este ano poderá oscilar entre os meses de junho a agosto -, o prazo para os movimentos recolherem o mínimo de assinaturas apresentáveis – 3% dos eleitores – tornar-se-á muito curto.
“Isto é um caso de ‘se não os conseguimos vencer no campo, vencemos na secretaria’.”
No entanto, os entraves não se ficam por aqui. O presidente da AMAI revela ainda que passa a ser obrigatório um juiz pedir o reconhecimento notarial de assinaturas, sem um valor mínimo ou máximo estipulado. “Como vou a um notário pedir a autenticação de assinaturas de um cidadão que não conheço?”, indaga Aurélio Ferreira.
Quando questionado se as novas alterações seriam uma tentativa dos dois grandes partidos nacionais bloquearem o aparecimento de movimentos independentes, o presidente da AMAI não tem dúvidas de que se trata de um caso de “se não os conseguimos vencer no campo, vencemos na secretaria”. Para Aurélio Ferreira, a Constituição não está a ser respeitada – “estamos presente uma subversão total da democracia” – e esta AMAI já apelou à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que peça a fiscalização do diploma.
No mesmo sentido, gravita Rui Moreira. Para o Presidente da Câmara do Porto, reeleito por um movimento independente em 2017, estas modificações trazem “pesadas consequências” para os atos eleitorais, como o “desamor pela política e pela participação cívica” – por outras palavras, aumentam a abstenção.
No entanto, agora, não há tempo para o Tribunal Constitucional analisar o diploma e declará-lo como inconstitucional. “Se se mantiver a data das eleições para final de setembro — há quem diga que ela pode ser adiada até ao final do ano por causa do plano de vacinação [contra a Covid-19] –, não vejo como é que há tempo útil para reverter isto, a não ser que os partidos políticos compreendam que o que fizeram pode-lhes parecer muito útil, mas no final ter pesadas consequências”, apontou o autarca.
Enquanto uns contestam regras, outros discutem datas
Na mesma entrevista à rádio Observador, Aurélio Ferreira afirmou que o “problema destas Autárquicas não é a data”, mas Rui Rio discorda.
Na sexta-feira, o PSD apresentou, em Assembleia da República, um diploma que prevê o adiamento das eleições por dois meses, situando-as entre 22 de novembro e 14 de dezembro. Isto coincidiria com a discussão do Orçamento de Estado para 2022 – que, no ano passado, teve várias dificuldade em ser aprovado -, situação que Rui Rio desvaloriza, mas que nem todos os sociais-democratas concordam. “Rui Rio quer condicionar a campanha das Autárquicas e encostar o Governo às cordas, apostando no desgaste do executivo e jogando tudo nas medidas restritivas que a proposta do OE deverá conter”, afirmou uma fonte do partido ao Público.
Já para o PS, o adiamento das Autárquicas não é sequer uma hipótese em cima da mesa. Segundo José Luís Carneiro, Rio “está mais preocupado em encontrar solução para as dificuldades internas no seu partido do que propriamente com o decurso regular dos atos eleitorais”. O Secretário-Geral adjunto dos socialistas afirma ainda que adiar as eleições era uma atitude irresponsável, já que deixaria as autarquias em gestão corrente no último trimestre do ano, num momento em que a recuperação económica é crucial para o país.