Foram precisos 11 meses para que a nova lei que prevê a despenalização da morte medicamente assistida finalmente passasse no Parlamento – depois de ter sido votada, pela primeira vez, em fevereiro do ano passado. Os deputados dividiram-se em grupos, por causa da pandemia – que já tinha adiado o escrutínio várias vezes –, para votar aquele que foi uma junção dos projetos de lei de PS, BE, PEV, PAN e IL, aprovados na generalidade no início de 2020.

De acordo com o texto final apresentado, define-se como eutanásia “a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva, de gravidade extrema, de acordo com o consenso científico, ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”. Sem surpresas, todos os partidos que o ajudaram a elaborar votaram a favor – embora, na bancada socialista, dois deputados se tenham abstido e nove votado contra. Somaram-se ainda os votos favoráveis das deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristiana Rodrigues, bem como de catorze deputados do PSD. Ao todo, a nova lei da eutanásia passou com uma maioria de 136 votos.

Para José Manuel Pureza, deputado pelo Bloco de Esquerda, esta lei foi a “resposta certa da democracia aos fundamentalismos e ao medo”, através de um projeto que traz a debate “o melhor saber jurídico, médico, bioético e com ele elaborou uma lei equilibrada e justa”. O deputado acabou mesmo por citar Isabel Moreira, dizendo que a lei tem vários nomes, que culminam em João Semedo – médico e deputado que ajudou a lançar a discussão pública da morte medicamente assistida em 2016 e cujo projeto acabou por ser chumbado em 2018, no mesmo ano em que faleceu.

De regresso a 2021, as bancadas de CDS, PCP e Chega votaram contra a despenalização da eutanásia, bem como a maioria dos deputados do PSD, que já tinham tentando adiar a votação final, alegando os tempos pandémicos que se vivem. O contexto socioeconómico em que Portugal se encontra foi um dos argumentos mais utilizados pela oposição de direita para tentar travar a aprovação da lei. Telmo Correia, líder parlamentar do CDS-PP, não compreende que, “no mesmo momento em que morrem milhares de pessoas”, “o que o Parlamento tem para oferecer é uma ideia de morte”.

O deputado acrescenta ainda que “a eutanásia é uma derrota para todos”, pois, não só vai contra a Constituição “pelo direito à vida nela consagrado” e os princípios deontológicos e éticos dos profissionais de saúde, bem como “permite matar vidas que, pelo avanço da medicina, podiam ser salvas”. Ao seu encontro, e do outro lado do espectro político, vai António Filipe, deputado comunista, que considera que a lei pode vir a trazer “consequências sociais profundamente negativas”, como a “banalização da eutanásia”.

Em outubro do ano passado, foi discutida, em Parlamento, a possibilidade de a eutanásia ir a referendo, após uma iniciativa de cidadãos, promovida pela Federação pela Vida, que recolheu mais de 95 mil assinaturas. No entanto, a proposta foi chumbada pelo PS, BE, PCP, PEV e PAN, com o apoio de nove sociais-democratas e duas deputadas não inscritas.

O decreto-lei está, agora, nas mãos do presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, para permitir os habituais três dias de reclamação, e segue para o gabinete do Presidente da República na próxima semana. Já Marcelo Rebelo de Sousa, recentemente eleito com mais de 60% dos votos nas presidenciais, tem 20 dias para analisar o texto e decidir uma de três: enviar o mesmo para o Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva – esta ação tem de ser feita nos oito dias seguintes à chegada do decreto a Belém -, vetar ou aprovar.

Caso aprove, Portugal pode tornar-se o quarto país na Europa e sétimo a nível mundial a despenalizar a eutanásia. Já caso o Presidente opte por vetar a lei, o Parlamento pode propor alterações ou confirmar o seu teor com uma maioria de dois terços – o que os atuais 136 votos a favor não permitiriam.

Revisto por Pedro Valente Lima.