O meio digital está a tornar-se cada vez mais relevante a nível mundial. Se já se notava o crescimento do digital, com um amplo alcance das ferramentas da internet, este mundo foi ainda mais aprofundado devido ao contexto em que vivemos atualmente: a pandemia veio acentuar a necessidade de adaptação das atividades para o meio digital.

Home office, educação a distância, Uber Eats… Palavras que agora são mais constantes no vocabulário da população. Entre estes termos, estão as fake news, uma discussão que ganhou ainda mais amplitude após a associação recorrente destas notícias falsas a mecanismos de política e propaganda e a necessidade de difundir informações verídicas para evitar a crise mundial na saúde, ameaçada pelo novo coronavírus.

Segundo o Digital News Report Portugal de 2020, Portugal está entre os países com cidadãos mais preocupados com a legitimidade dos conteúdos que leem – três quartos dos portugueses importam-se com o que é falso ou factual no campo noticioso.

De acordo com o documento da DNR PT, disponibilizado pelo Jornal Observador, Portugal destacou-se, em 2019, com 75% dos portugueses preocupados com a veracidade dos conteúdos que liam. Os dados foram confirmados em 2020, com um ponto percentual a mais – 76%. Numa lista de 40 países, Portugal está em segundo lugar, atrás do Brasil (88%) e equiparado ao do Quénia (76%). Em seguida, está a África do Sul (72%) e os Estados Unidos (67%).

Esses dados são de muita importância no cenário de plena era digital, onde o impacto das redes sociais e da internet na política tem sido gigantesco. Por causa do alcance tão determinante desse tema, na quinta-feira, 21 de janeiro, transmitimos em direto a nossa quarta Political Talks, sobre “As Oportunidades e Ameaças na Era Digital”, com dois convidados: Pedro Pereira, médico formado pela Universidade de Coimbra e atual Conselheiro Nacional da Iniciativa Liberal, e Paulo Frias, doutorado em Ciências da Comunicação e atualmente professor e investigador na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

O meio digital é tão democrático quanto a política deve ser?

Durante a primeira Political Talks, sobre a chegada da tecnologia 5G, mencionou-se as dificuldades provocadas pela ineficiência no alcance da internet a regiões com pouca densidade demográfica. A impossibilidade do acesso à internet num mundo que cada vez mais vive, noticia e politiza através dos meios digitais, o debate sobre a democratização digital torna-se imprescindível.

O convidado Paulo Frias foi o primeiro a aprofundar o tema, revelando que, na sua opinião, “a democratização acontece, de facto, em contextos relativamente pequenos a nível mundial”. “Há muita gente no mundo que não têm acesso sequer a internet, quanto mais a essa questão da expressão, da democratização e da participação”, salientou o professor.

Pedro Pereira concorda e acrescenta: “dentro do contexto da União Europeia, Portugal é um país que está um bocadinho fragilizado nessa questão, pelo facto de sermos dos países que têm um menor acesso à internet a nível diário”. Para o conselheiro da IL, o fator da baixa democratização da internet torna alguns dos estratos sociais mais vulneráveis aos meios de informação, sem tantos filtros na forma de receção das notícias e nos mecanismos que as gerações mais adaptadas ao mundo digital possam ter para garantir tal filtragem.

O grande problema das fake news no mundo da política

Dentro deste filtro, está a possibilidade de conseguir discernir a falsidade ou veracidade de uma notícia. Paulo Frias alerta que o perigo das fake news vai além por causa da velocidade com que a informação circula, de forma instantânea e, por isso, alcançando muitas pessoas em poucos segundos.

Quando o debate vai para o caminho das soluções para o flagelo das notícias falsas – que tem sido tão atual -, Pedro Pereira comenta que, também por sua posição ideológica, considera que a melhor solução não deve ser puramente estatal. “Os Estados têm importância na resposta, mas ela tem que partir primariamente das pessoas e das empresas que são detentoras das redes”, acrescenta, ainda que a maior dificuldade da resposta seja não passar pela censura, que possa pôr em causa a liberdade de expressão.

Pedro Pereira afirma que os Estados teriam uma função de vigilância, de pressionar as empresas detentoras das redes mais influentes para que desenvolvam mecanismos capazes de clarificar quando uma notícia é verdadeira. O médico também menciona a possibilidade de um “polígrafo estatal”, onde as pessoas poderiam aceder a meios de comunicação do Estado para saber se uma notícia seria falsa ou verdadeira.

O algoritmo e as bolhas políticas

Sobre estas soluções apresentadas pelo conselheiro nacional da Iniciativa Liberal, Paulo Frias reitera que tem dúvidas sobre como poderiam ser operacionalizadas, principalmente devido aos interesses direcionados para o lucro das grandes empresas de tecnologia.

Segundo o professor, a rentabilização do conteúdo, atualmente, está imensamente ligada aos algoritmos. Paulo Frias reitera que o algoritmo muda muitas vezes por mês e, com ele, uma bolha é criada: “uma sala, digamos assim – para usar um termo mais inteligível – que faz com que eu consiga, no máximo, ver umas dezenas de pessoas”. “A bolha aproxima-nos sempre dos mesmos.”

“É um sinal de que este mecanismo não apela à reflexão, não apela à discussão, não apela à participação. Quer dizer, estamos aqui a trocar galhardetes basicamente e a cumprimentar as pessoas que conhecemos”, conclui Paulo Frias.

Concordando com as implicações dos algoritmos, que são ferramentas utilizadas pelas redes sociais para compreensão do comportamento e preferência dos usuários, Pedro Pereira acrescenta que obrigar as empresas a explicar o funcionamento de tais ferramentas e suas alterações tornaria mais transparente as redes sociais para os usuários. E reflete: “paradoxalmente, uma rede que une o mundo todo, contacta-nos apenas com pessoas que pensam das mesmas formas que nós – de modo cada vez mais agressivo”.

Se queres saber mais sobre o funcionamento do algoritmo, as formas de combate às fake news e a política desta era digital, vê aqui a versão completa da quarta Political Talks:

Revisto por Pedro Valente Lima.