“Queremos saber a tua história para juntos falarmos mais alto” é o lema escrito na página de Facebook do Porto para Arrendar, uma definição objetiva do que é o projeto: a reunião de testemunhos de jovens estudantes que se sentem numa situação abusiva de aluguer de alojamento local.
A cidade do Porto é o destino de muitos estudantes. Diversos artigos online reconhecem o Porto como uma das melhores cidades para estudar em Portugal. No entanto, os estudantes acabam por se deparar com preços exorbitantes ou situações lastimáveis. O Porto para Arrendar nasceu da necessidade de compilar os testemunhos destes jovens, de forma a unir vozes e chamar a atenção das autarquias para o problema.
Em entrevista à APA, Inês Filipe e Manuel Santos, licenciados em Teatro pela Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE) e fundadores do projeto, explicam a motivação por trás da página: “expor estas situações injustas para depois, quando já tivermos uma dimensão maior, podermos fazer pressão perante as autoridades públicas”. O objetivo principal é, então, denunciar situações de abuso de poder por parte dos senhorios, desde alugueres com valores discrepantes até às más condições de alojamento.
Ambos revelam à APA já terem “sentido na pele” tais ocorrências, o que levou Inês a convidar Manuel para que juntos criassem a página Porto para Arrendar. Manuel reitera: “há muita gente que ou deixa de estudar ou não chega a estudar o que quer por causa desta situação. No meu caso, por exemplo, era mais fácil vir estudar para o Porto do que para a ESTC [Escola Superior de Teatro e Cinema], em Lisboa, para onde eu queria ir, porque eu sabia que não ia ter possibilidades para pagar uma renda. E mesmo que haja apoios, bolsas de estudos, às vezes as condições são tão difíceis que há pessoas que não podem ou nem conseguem os apoios, ou em casos que conseguem os apoios, mas que estes não são suficientes, porque as rendas estão a aumentar cada vez mais”.

De acordo com o relatório do Instituto Nacional de Estatística (INE), relativamente aos Preços da Habitação ao nível local, o valor dos alojamentos no Porto é maior do que a média de Portugal – sendo esta de 1.137 euros por metro quadrado, enquanto o Porto atinge os 1.905 euros. Em Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, a média chega aos 2.708 euros, enquanto em Lordelo do Ouro e Massarelos, a média ronda os 2.345 euros. O relatório também evidencia uma aceleração de 3,1 pontos percentuais no crescimento dos preços dos alojamentos quando comparados ao primeiro trimestre de 2020. Em Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, os estudantes pagam uma média de 303 euros por quarto.
Mas, para além dos preços elevados, Inês e Manuel também revelam outros problemas. Como relatam à APA, já receberam testemunhos que, por exemplo, salientam a “falta de sensibilidade na situação de Covid-19”. Inês exemplificou: “eram duas pessoas que tinham sido expulsas; digamos assim, disseram para sair da casa com uma semana de antecedência e na altura da quarentena”.
Também abordam situações de xenofobia e assédio: “uma rapariga brasileira que está cá a estudar, que, pronto, sofria comentários desagradáveis do senhorio, referindo diretamente que ela não fazia bem as coisas ou tinha problemas por ser brasileira. E na casa, instalaram câmaras e ele mandava mensagens às pessoas que viviam lá para fazer comentários do género ‘não façam isso assim’, ou seja, ele estava a vigiar as pessoas; e houve uma vez que ele chegou a casa e ela tinha acabado de sair do banho e então ele tocou-lhe de uma maneira muito inapropriada. Ela teve que sair logo de lá, ficou mesmo muito indignada”.
O projeto ainda vai no início, mas os estudantes dizem-se surpresos pela quantidade de testemunhos que já receberam – “mais do que estávamos à espera”. Também foram surpreendidos ao perceberem que as pessoas falam mais quando estão efetivamente à procura de alojamentos – em meados de setembro – e se deparam com tais situações.
De acordo com Inês, por serem estudantes, sentem-se ainda mais limitados ao exigir direitos: “as pessoas facilitam ainda mais, porque acham que os estudantes não têm capacidade para sequer exigir coisas. E muito porque a maior parte dos casos são pessoas que não têm contratos – não estão em situações legais, porque mesmo que que até fizessem essa exigência de contrato, duplicam as rendas. Então, o estudante fica em situações do género ‘ou alinho ou não tenho onde ficar’ ”.
As queixas são das mais variadas, desde as más condições da habitação a casos de discriminação e violação da privacidade. Imagens: Porto para Arrendar.
Quando questionados pela APA sobre quais as possíveis soluções, Inês e Manuel afirmam que as residências estudantis devem ter mais espaço e os estudantes precisam de ter maior proteção quanto a situações como estas. O apoio das universidades ou das câmaras são alguns dos exemplos dados, uma vez que as denúncias às finanças acabam por não resolver, segundo os fundadores do projeto. Reiteram ainda que tentaram contactar as associações estudantis, pedindo incentivo e auxílio, mas que não obtiveram respostas até então – mas que isso não os demoverá.
Para finalizar, apelam a que os estudantes que possuam testemunhos entrem em contacto com a página. Manuel frisa: “não tenham medo, há anonimato. Não vamos revelar nada sobre quem nos enviar histórias e é mesmo muito importante porque quanto mais provas houver, mais força tem qualquer tipo de ação que façamos para resolver isto”.
Editado por Pedro Valente Lima.
Entrevista realizada em colaboração com o Jornal Ângulo.