O sistema de presidência do Conselho da União Europeia funciona a partir da rotatividade dos Estados-membros e, entre 1 de janeiro e 31 de junho de 2021, Portugal irá presidir pela quarta vez – sucede à Alemanha e precede à Eslovénia. 

O desafio é grande: é o destino de quase 450 milhões de europeus em situação de pandemia. Esta quarta presidência portuguesa terá desde logo prioridades como o orçamento da União Europeia para 2021 a 2027, o Fundo de Recuperação pós-pandemia e ainda as negociações com o Reino Unido, após o consumado Brexit.

Na quarta-feira, transmitimos em direto a nossa terceira Political Talks, uma conversa protagonizada por Lívia Franco, doutora em Ciência Polític, professora e investigadora na Universidade Católica, e Francisco Assis, licenciado em Filosofia pela FLUP, ex-deputado e eurodeputado pelo Partido Socialista e atual presidente do Conselho Económico e Social. Desta vez, a conversa foi sobre o futuro próximo da Europa, com Portugal na presidência do Conselho da União Europeia. 

Como Portugal irá gerir as questões da pandemia?

A pergunta que não se cala e que mais assoberba a mente dos cidadãos europeus gira em torno do atual momento de pandemia. Como Lívia Franco refere, “a crise sanitária é absolutamente prioritária”, mas é interessante notar que há um ano, quando a agenda da presidência portuguesa estava a ser preparada, não era possível antecipar essa questão. Tal como salienta Francisco Assis, nessa mesma altura, as questões de saúde eram de âmbito estritamente nacional – “o que significa que nos vinte e sete Estados-membro [da UE], há vinte e sete respostas possíveis para as questões da saúde nas suas diversas dimensões”. 

Lívia Franco reitera ainda que é “a primeira presidência portuguesa depois do tratado da União Europeia”. “Portanto, a primeira presidência portuguesa neste novo molde em que o país da presidência rotativa já não é suposto ter o mesmo protagonismo de antes”. Entretanto, a pandemia trouxe novas necessidades e, por isso, novas responsabilidades. 

O governo português teria, então, duas questões essenciais: chegado o acordo da aprovação do orçamento plurianual, desbloquear as ferramentas financeiras para o Fundo de Recuperação e validar os Planos Nacionais de Recuperação e Resiliência (PRR). 

O plano nacional, entregue por António Costa à União Europeia, numa sessão conjunta com a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, aponta como prioridades para Portugal: “enfrentar as maiores vulnerabilidades sociais do país”, aumentar o seu potencial produtivo” e “reforçar a competitividade e a coesão territoriais”, traçando metas para as infraestruturas, o Serviço Nacional de Saúde, a habitação e outros temas. No mesmo dia, 29 de setembro, o primeiro-ministro afirmou que “Portugal quer ser um dos primeiros países a acordar com a Comissão Europeia o seu Plano de Recuperação e Resiliência”. 

Logótipo oficial da quarta presidência portuguesa do Conselho da União Europeia. Imagem: 2021portugal.eu

Dificuldades da vacinação em massa e negacionismo científico

Como empecilhos, tanto Lívia Franco quanto Francisco Assis apontam as dificuldades da vacinação: a necessidade de vacinar a maioria da população em tempo útil, os movimentos negacionistas quanto à ciência e a funcionalidade da vacina. Francisco Assis mostra-se otimista: “estou convencido que nós temos, na União Europeia, condições para responder a isso”, por causa do modelo social específico da UE que articula esforços públicos e privados, afirmando ainda que o movimento negacionista não é tão forte na Europa quanto é globalmente.

“Há um discurso anticientífico, infelizmente, que se instalou nas sociedades ocidentais, e que tem que ser contrariado sobretudo em momentos como estes. Se não existissem vacinas, a esperança de vida seria de 40, 50 anos. Se a esperança de vida no mundo Ocidental é muito superior, é porque há vacinas e, sobretudo, porque há uma ciência biológica e médica que presta um inestimável serviço à sociedade”, reforça o Presidente do Conselho Económico e Social.

E quanto à “bazuca europeia”?

É um facto que a Alemanha deixou um bom trabalho para Portugal, ao conseguir aprovar a chamada “bazuca europeia”. No entanto, continua a ser um desafio a implementação deste pacote de apoio para a recuperação económica sólida da comunidade europeia.

Quanto a isto, Lívia Franco reitera que “não é bem Portugal que implementará a bazuca europeia”, mas sim as instituições europeias lideradas pela Comissão e com os Estados a trabalharem juntos. A professora afirma a natureza diplomática do Estado português, completando que, de facto, Portugal terá de criar consensos e gerir a situação, tendo obviamente um protagonismo claro e todo o interesse que esta “dimensão cooperativa” se concretize. Porém, a investigadora insiste que a concretização do plano não depende apenas de Portugal, mas também dos outros 26 países – e que é “trabalhando em colaboração que funcionam as presidências”. 

Novamente otimista, Francisco Assis afirma que as presidências portuguesas correram bem e que o país tem muito prestígio na União Europeia, com enorme capacidade de gerar consensos e um “aparelho diplomático extraordinário em qualidade”. Como benefício, relembra que há um amplo consenso nacional em relação aos maiores partidos – PS e PSD – quanto às prioridades europeias, um aspeto importante que não é tão harmonioso em muitos outros países da UE.

Brexit: o que Portugal pode fazer no impasse das negociações?

É certo que o Reino Unido já não faz parte da União Europeia. No entanto, ainda não existe um acordo bem definido quanto às relações entre o país e a comunidade dos 27 Estados-membro. Lívia Franco sublinha a necessidade de se concluir o referido acordo, mas que provavelmente será “minimalista” – e que, apesar disso, Portugal precisará de gerir “as pontas soltas” da relação entre o Reino Unido e a UE. 

A investigadora afirma que o canal bilateral entre Reino Unido e Portugal é histórico e fluído, mas que há todo o contexto multilateral a ser pesado – “na história portuguesa, julgo que é o primeiro momento que estamos numa aliança, que aliás é uma união política, onde não está o Reino Unido – e isso tem implicações geopolíticas para Portugal”. É necessário trabalhar mais próximo de outros países que são sensíveis aos mesmos tópicos, negociar entendimentos com o Reino Unido e encontrar consensos e acordos maiores.

 

Para saberes mais sobre o que esperar de Portugal na presidência do Conselho da União Europeia, as nuances do negacionismo científico e da vacinação e dos binómios Londres – Lisboa e Londres – UE, vê aqui a versão completa da terceira Political Talks:

Editado por Pedro Valente Lima.