A chegada da pandemia veio alterar o paradigma económico português e do mundo. Desde março – quando o novo coronavírus chegou a Portugal -, já foi aprovado um Orçamento Suplementar, um Programa de Resistência e Resiliência e, com muito esforço, o novo Orçamento do Estado para 2021.

No entanto, um destes programas distingue-se dos outros, não só pela sua forma de financiamento, como também pela forma como foi elaborado. O Programa de Resistência e Resiliência foi criado por António Costa Silva – um engenheiro que não faz parte do Governo – e a APA tentou perceber qual é o plano de utilização dos fundos europeus que o vão financiar. Na quinta-feira, transmitimos em direto a nossa segunda Political Talks, uma conversa protagonizada por Ricardo Valente, vereador da Câmara do Porto e António Costa, comentador residente da TVI.

Para António Costa, é importante perceber que a Europa ainda está num impasse no que toca à aprovação de uma “bazuca” – como foi apelidado o fundo de 750 mil milhões de euros criado para fazer face à pandemia. O também jornalista do ECO relembra que a Polónia e a Hungria estão reticentes em aprovar este plano, intitulado de “Next Generation EU”, muito devido às condições impostas para o seu aproveitamento.

O caminho pode partir pela aprovação do plano sem o consentimento dos dois países, o que o jornalista apelida como uma “bomba” e uma “caixa de pandora” no normal funcionamento da União Europeia. É que este plano não faz parte dos quadros comunitários da Europa e Ursula Von der Leyen pode mesmo abrir o precedente de aprovar um programa sem a unanimidade da Comissão, cujas consequências não conseguem ser antecipadas.

Caso a aprovação não se verifique, a situação fica difícil para Portugal. “Como foi dito pelo meu homónimo primeiro-ministro, António Costa, não há ‘Plano B’. Ele está a ver que vai ficar com grande problema entre mãos se isto não for resolvido agora na presidência alemã no próximo Conselho Europeu”, afirma o comentador.

Entre o Público e o Privado

Para Ricardo Valente, docente da Universidade do Porto e vereador da Câmara do Porto, o importante não é quanto dinheiro vai chegar, mas como vai ser utilizado. Portugal sofre com um problema central em termos de alocação de investimentos: “o dinheiro traz projetos e não são os projetos a trazerem dinheiro”, afirmou o vereador com pelouro da Gestão de Fundos Comunitários. Ricardo Valente criticou o facto Portugal ser um dos únicos Estados-membro a criar um programa para a utilização destes fundos, em vez de os usar para fazer cumprir os seus planos de desenvolvimento que já estavam em curso.

António Costa concorda com esta posição. Para o comentador, Portugal tem um grave problema de alocação de fundos devido à sua má distribuição – o que não se pode confundir com fraude, que representará uma percentagem limitada deste universo – para projetos que, muitas vezes, nem são postos em ação.

Uma solução para evitar a má gestão dos fundos comunitários seria criar um Portal de Transparência, segundo o Vereador da Câmara do Porto. Ricardo Valente afirma que Portugal tem uma grande capacidade em detetar falhas na transparência de alocação e, consequente, uso de fundos comunitários e estatais, mas reconhece que é algo que demora. “Existe aqui um problema de eficiência, não de eficácia. É eficaz no sentido que se atinge o objetivo do controlo. Já a eficiência em que isto é feito, enfim. Acho que aí podíamos melhorar bastante”, afirma o também professor da U. Porto.

Ambos os convidados antecipam este problema também para o Programa de Resistência e Resiliência (PRR). Criado primariamente por António Costa Silva, o plano está divido em três grandes áreas: Resiliência, Transição Climática e Transição Digital, que sobreviveram às várias retificações feitas pelo executivo de António Costa – não fossem elas condições impostas pela Comissão Europeia para a sua utilização.

Ricardo Valente critica o grande foco dado à administração pública no plano, em detrimento da iniciativa privada. A nível digital, o setor público vai receber cerca de dois mil milhões de euros, enquanto o privado vai receber pouco mais de 600 milhões – o que representa apenas cerca de 24% do investimento. E o mesmo se verifica a nível de resiliência, onde os fundos vão ser vocacionados para a administração pública, em vez de se usar um sistema de mérito que definisse quais são os projetos que devem receber o dinheiro e investir em questões lucrativas e não despesa corrente.

Já António Costa, considera que é tempo de se deixar a economia abrir e diminuir o peso do Estado na mesma. “Nós temos Estado a mais e o que, infelizmente, me parece, pelo quadro político em que vivemos e o que, aparentemente, vamos viver nos próximos anos, isto ainda se vai acentuar. O essencial era mesmo abrir a economia e deixar fazer o que os empresários sabem fazer”. Para o jornalista, o PRR não passa de uma compensação pelo que não foi feito nos últimos cinco anos.

Um futuro adiado?

Segundo António Costa, o futuro do mercado de trabalho jovem não reside nesta bazuca europeia. Imagem: maistecnologia.com

Com os estragos que a pandemia fez na economia, o mercado de trabalho português saiu ainda mais fragilizado do que já estava – principalmente o jovem. O normal fim da universidade e entrada na vida profissional ficou comprometido e a “bazuca” europeia não parece pôr fim a este problema. Pelo menos, na ótica dos dois convidados desta Political Talks.

Para António Costa, todos os riscos já citados não permitem depositar grande esperança nos fundos europeus do programa “Next Generation EU”. Têm de ser os próprios jovens, a começar agora a sua carreira profissional, a ter a capacidade de arriscar e adaptar-se a um novo mundo, que pode até ser benéfico para eles. Olhar para Portugal como mercado de trabalho não parece ser a solução do problema, até porque, segundo Ricardo Valente, o país não tem instituições fortes para manter cá os portugueses. É preciso criá-las para se conseguir ter “campeões empresariais”.

As soluções oferecidas pela Europa são muito mais aliciantes do que as portuguesas, de acordo com o jornalista do ECO, e o facto de a pandemia ter impulsionado a implementação do teletrabalho pode ser uma mais valia para os jovens, que não querem sair do país.

 

Para saberes mais sobre o impacto dos fundos comunitários, qual a maneira melhor para Portugal os usar e o porquê da sua gestão representar um desafio ainda maior nestes tempos, vê aqui a versão completa da segunda Political Talks:

 

Editado por Pedro Valente Lima.