A APA esteve à conversa com o Professor João Teixeira Lopes, que falou sobre o crescimento dos radicalismos em todo o mundo, com um olhar mais atento para casos recentes como o Brasil e os Estados Unidos, mas também a Itália. O sociólogo falou também na situação portuguesa.

“A insegurança social explica a ascensão dos populismos”

Eu começaria por destacar a questão da insegurança social, porque muitas vezes diz-se que a razão do crescimento dos movimentos populistas, nacionalistas, xenófobos e até fascistas derivam de situações de insuficiente combate à insegurança. Mas eu gostava de falar da insegurança num sentido mais vasto, que não apenas a insegurança física, insegurança do assalto ou do roubo, ou seja, no sentido mais literal. Acho que há uma questão mais vasta de insegurança social. Se olharmos para os últimos anos verificamos que o crescimento das classes médias estagnou ou, inclusivamente, inverteu. As novas gerações perderam esse potencial de esperança e a situação de precarização é uma situação que abrange cada vez mais pessoas. Essa precarização junta-se também à ideia de vulnerabilidade e a incerteza tem levado ao aumento do sentimento subjetivo de insegurança. As crises económicas também tiveram um papel absolutamente decisivo, colapsando, em alguns casos, as estruturas sociais, e, também, os efeitos desiguais da globalização. A globalização trouxe para muitos países a desindustrialização e desruralização sem o necessário apoio à integração das pessoas que perderam os seus empregos. O caso dos EUA é um clássico. O que aconteceu aos mineiros, aos trabalhadores das indústrias automóveis, a chamada “Cintura da ferrugem”, que foram claramente abandonados. Tudo isto contribui para um grande sentimento de insegurança e, por conseguinte, de medo. Para mim, essa é a grande questão. São estes os vários fatores de insegurança: a questão da globalização desigual, a questão da desindustrialização e desruralização sem proteção social, a questão das classes médias se sentirem vulneráveis, mesmo na Europa, onde existe proteção social. É isso que explica a ascensão dos populismos.

“Muitas vezes a transição para um regime autoritário faz-se sobre uma fachada democrática”

O Brasil tem instituições fracas. Tem um sistema judicial que apesar de ter elementos comprometidos com a democracia tem outros que claramente não estão, tal como o Presidente do Supremo Tribunal da Justiça ainda há pouco tempo afirmou que a ditadura militar implantada em 1964 na verdade não foi uma ditadura, foi um movimento militar, tentando redefinir as palavras. Geralmente, quando se tenta redefinir as palavras, estamos a entrar num novo terreno, um terreno muito perigoso. O Brasil também tem, como é sabido, um peso ainda muito forte dos militares e uma elite económica muito agressiva. Mas, tem algo que pode ser importante na resistência: movimentos sociais bem organizados e muito vivos. Curiosamente, este presidente quer criminalizar esses movimentos, passando a ser associações terroristas.

Acho importante realçar isto: muitas vezes a transição para um regime autoritário faz-se sobre uma fachada democrática. Aliás, foi sempre assim. Mussolini governou, no início, ainda dentro de um quadro parlamentar, Hitler governou dentro de um quadro parlamentar. Não é necessário haver, desde o início, uma governação ditatorial. Essa transição pode-se fazer, infelizmente, dentro dos quadros da democracia. É preciso defender as instituições, é preciso tomar partido, é preciso desconfiar dos grupos paramilitares.

O Trump vem de uma elite burguesa empresarial. O Bolsonaro é alguém que vem das classes populares, com menos entrosamento nas elites, muito menos que Trump. As elites acabam por apoiar Bolsonaro, porque ele começou a ganhar as sondagens, especialmente, depois da facada que levou. Mas, não era um projeto das elites. As elites criaram com toda a desestabilização institucional do Brasil, nomeadamente o impeachment da Dilma e a prisão do Lula. Essa é uma grande diferença entre ambos. Por outro lado, é importante dizer que, embora ambos sejam racistas, xenófobos, homofóbicos e totalitários, Bolsonaro tem declarações públicas ainda mais radicais do que Trump. Isso vê-se quando Bolsonaro disse que o seu herói é o torturador Carlos Brilhante Ustra, coronel que torturava mulheres com requintes de sadismo, trazendo os filhos para verem as suas mães serem torturadas, introduziu ratos e baratas nas vaginas das mães. Eu acho que o grau de impreparação, de impersonalidade e de totalitarismo de Bolsonaro é ainda mais intenso do que Trump. A sua origem social é diferente e os países são diferentes também.

(…) eles são astutos. E além disso, têm por detrás, interesses económicos suficientemente poderosos para comprarem pacotes de “fake news”, pacotes de divulgação em grupos de WhatsApp. Ou seja, há muitos interesses que estão a cavalgar Trump e Bolsonaro. Trump vive da provocação constante e, por conseguinte, da mobilização constante da sua base de apoio, que é minoritária, mas que no desenho eleitoral dos EUA possa ser suficiente para ele ganhar as eleições. Acho que não os devemos ridicularizar, não é por aí, mas confrontá-los com capacidade argumentativa, porque se transigirmos nisso, estamos a aumentar o seu campo de penetração. Ou, se fazemos outra coisa que é errada, adotar uma estratégia de “Trump fofo” ou “Bolsonaro fofo”. O que quero dizer com isto é que não podemos criar nas nossas agendas políticas elementos que acabam por ser incorporação do que esses movimentos e personagens defendem.

“As pessoas não podem votar pelo medo”

Um exemplo é o que está a acontecer na Europa: a incorporação das ideias da extrema-direita. A “Europa Fortaleza”, criação de forças policiais para vigiar as fronteiras em vez de se criarem mecanismos de ajuda humanitária aos refugiados. A meu ver, isso é incorporar a agenda da extrema-direita num discurso político hegemónico e isso é errado. Aí não conseguimos combater a extrema-direita, porque isso é o terreno que a extrema-direita quer, puxando os partidos democráticos para esse terreno.

Veja o que está a acontecer com Macron, em França. Foi eleito com esperança de renovação política, mas está nos mesmos esquemas, tem a mesma falta de transparência, envolvimento em escândalos e uma agenda política de aumento das desigualdades sociais. Imediatamente, diminuiu os impostos sobre os ricos, retirou direitos laborais, implantou uma agenda liberal que teve como efeito desestabilizar ainda mais as pessoas e desacreditar a política. Eu acho que a extrema-direita se combate com transparência, combate à corrupção, cumprindo as promessas e, simultaneamente, com uma política bem ativa de eliminação e combate às desigualdades. Acho que são as duas linhas para as pessoas se sentirem seguras e terem confiança no sistema político. Repito, estes movimentos aproveitam-se do tal sentimento de insegurança social e foi o que aconteceu ou está a acontecer na Hungria, Polónia, Áustria, Itália, etc. Veja, a Itália é um país aguçado pela crise económica, aguçado pela política que a Alemanha impôs de constrangimento orçamental.

Veja que na Grécia o partido nazi tem 18%, porque a Grécia [como a Itália] está um país destruído e, portanto,é claro que as pessoas se atiram ao bode expiatório mais próximo: os migrantes.

E, assim, os italianos veem na extrema-direita de Salvini uma solução. Países que não podem investir, países que não podem “respirar”, que estão, completamente, atolados no serviço da dívida, são países em relação aos quais as pessoas não têm esperança e veem o futuro como algo que só tende a piorar. Quando isso acontece, é claro que as pessoas querem dinamitar o próprio sistema político e apostam nesses grupos.

Portugal é um bom exemplo contra a corrente. Portugal conseguiu, ao contrário do que aconteceu na Grécia e na Itália, de uma forma muito tímida e com muitos enviesamentos, virar a página das políticas de austeridade mais duras. Com a solução política conhecida, Portugal conseguiu, e os números já o mostram, diminuir a pobreza, diminuir as desigualdades e, acima de tudo, aumentar alguma proteção social (abono de família, passe social, manuais escolares, rendimento social de inserção, etc.) e, ao mesmo tempo, forneceu uma esperança às pessoas. E essa esperança é fundamental. Sem esse elemento subjetivo e emotivo não há adesão ao sistema político. As pessoas têm de perceber que podem viver um pouco melhor. E, apesar das dificuldades todas, do investimento público ser muito reduzido, temos comboios parados, hospitais com problemas, etc., as pessoas sentem alguma esperança. A esperança, confiança e a segurança são motores de adesão aos sistemas políticos. Por isso é que em Portugal, até ver, não há adesão a movimentos populistas e radicais. Portanto, é fundamental dar esperança às pessoas. As pessoas não podem votar pelo medo, temos de dar razões positivas para elas votarem.

João Teixeira Lopes é doutorado em Sociologia, integrou a equipa coordenadora do Relatório das Políticas Culturais Nacionais (1985-95) junto do Conselho da Europa, em 1988, foi programador da Porto Capital Europeia da Cultura 2001, enquanto responsável pela área do envolvimento da população. Já exerceu funções como deputado na Assembleia da República nas legislaturas IX e X, foi coordenador científico do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto entre 2002 e 2010 e diretor da Revista Sociologia entre 2009 e 2013. Candidatou-se à Câmara Municipal do Porto em 2009 e 2017.

É, atualmente, dirigente do Bloco de Esquerda, presidente da Associação Portuguesa de Sociologia e professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.