Com 44 anos de vida, a democracia portuguesa está doente

Esta semana celebramos mais um dia 25 de abril. O 44º aniversário da revolução que deu a conhecer a democracia ao povo português, depois de 31 anos mergulhados numa ditadura que havia deixado o país com muitos problemas para resolver, já para não falar do atraso civilizacional face aos nossos companheiros europeus. E podia continuar aqui a contar aquilo que surgiu desde a Revolução dos Cravos, mas isso todos conhecemos. Mesmo não tendo vivido na pele o regime Salazarista, todos conseguimos perceber o avanço existente desde aí, até aos dias de hoje.

Aproveitei esta data histórica para refletir acerca do estado da nossa maior conquista de abril: a democracia. Será que a esta está num estado de falência? Corremos o risco de ceder aos populismos extremistas?

Penso que a nossa democracia está doente, e urge encontrar uma cura para este problema. Para isso, vou analisar os sintomas desta doença, bem como a causa e possíveis curas que podemos encontrar no meio da adversidade. Vamos então a isto.

O sintoma da doença: a abstenção

Quando, em 1974, os Capitães de abril levaram a cabo a Revolução dos Cravos, fizeram-no com um objetivo: devolver o poder ao povo. Nas primeiras eleições livres, 91,5% da população decidiu exercer o seu direito de voto (que até aí era restrito). Foi uma massiva afirmação de que aquele era o tempo da liberdade.

Em 2015, nas eleições que definem o órgão legislativo que tomará decisões cruciais na vida de todos os portugueses, 44,1% absteve-se de votar. Sendo que este número já foi ainda pior: recorde-se que nas Eleições Europeias de 2014, a abstenção atingiu o recorde de 66,2%. Sim, um terço das pessoas foram votar. Fica a pergunta: o que leva a isto? Mas fica a certeza: se estes números não são uma certeza de que a democracia está doente, então não sei de que mais provas precisam. O sistema democrático está longe de ser perfeito, mas foi instituído para dar a palavra aos cidadãos. Quando estes preferem estar alheados da decisão, é porque o sistema não está a cumprir o seu propósito. Mas então, de quem é a culpa?

A origem da doença: opacidade na política

Os partidos políticos foram formados para defender os interesses dos cidadãos, com base em diferentes ideais. Hoje, se tentarmos definir popularmente o que é um partido político, somos alvo de respostas completamente diferentes. “Bando de ladrões”, “Elites”, “Aquilo é só interesses” são algumas das frases que podemos ouvir. Experimentem ir para a rua perguntar o que acha o comum dos mortais da figura do político, e pensem no que vão ouvir. José Saramago sempre foi uma voz forte dessa descrença, dizendo que “Na falsa democracia mundial, o cidadão está à deriva, sem a oportunidade de intervir politicamente e mudar o mundo. Atualmente, somos seres impotentes diante de instituições democráticas das quais não conseguimos nem chegar perto.”. Um bom resumo da opinião geral.

Na base desta frustração acerca da classe política está a falta de transparência. A política vive hoje numa aura que sobrevoa o solo comum. Aquilo que se sente é que os políticos estão acima do povo, acima das leis que regem a população. Ainda agora surge uma notícia de que deputados receberam subsídios que não foram utilizados, existindo um vazio legal que permite esta situação. Vale tudo, menos transparência.

Possíveis curas: Marcelo, o fim do voto útil e a nova política

Se é verdade que o panorama se encontra assim, com muita descrença e indiferença à volta da classe política (fator que não é exclusivo de Portugal, digamos), creio que a conjuntura em Portugal pode favorecer uma mudança, alavancada em 3 fatores: a irreverência do Presidente Marcelo, o fim do voto útil e a nova política que se faz em Portugal.

Começamos pelos 2 anos de presidência de Marcelo Rebelo de Sousa. Um presidente que se dedica às pessoas, e que reduz o gap existente entre a política e os cidadãos. De facto, Marcelo é o presidente que parece um ser humano normal. Genuíno, próximo das pessoas, humilde, tudo isto é uma lufada de ar fresco em Portugal. Podemos duvidar se Marcelo não se trata apenas de uma personagem, mas ninguém pode negar o seu importante papel na política portuguesa.

 

Nas eleições legislativas de 2015, formou-se uma aliança que ficou conhecida como “Geringonça”. Sejam ou não favoráveis a esta coligação, o certo é que a narrativa do voto útil foca excluída depois desta aliança. É igual votar no Bloco de Esquerda ou no Partido Socialista, da mesma maneira que é igual votar no Partido Popular ou no Partido Social Democrata. O que interessa agora não é ganhar eleições, mas sim reunir os 116 deputados necessários para formar um governo estável. E como é que isto favorece a democracia? Desfaz o sistema bipartidário até então (apenas PS e PSD contavam para o ciclo governativo), e abre espaço para eleitores de partidos mais pequenos exercerem o seu voto sabendo que este contará efetivamente. No fundo, estou convicto de que a geringonça permitirá trazer muitos eleitores de volta à vida política.

Por fim, vem aquilo que considerei como nova política. E dou o exemplo da abordagem de Rui Rio como presidente do PSD. Ao invés de começar uma batalha com o sistema vigente, tomou um caminho mais racional, sentou-se com quem está no poder, e tenta chegar a consensos estruturais que só terão impactos positivos no futuro do país. Porque, acima de tudo, a política não vive só do confronto de ideologias e do embate governo-oposição, mas de atos de consenso como as atitudes do novo líder do PSD. As pessoas querem mais ações destas.

E então, será que vamos encontrar um antídoto?

Sendo certo que a democracia portuguesa atravessa uma crise grave, marcada pela elevada abstenção sistematicamente registada nas urnas, é também certo que evoluímos numa trajetória que pode trazer uma recuperação das pessoas para a política, com uma juventude mais interessada, e políticos mais próximos das pessoas e do que mais as beneficia.

Também por isto não corremos o risco de deixar crescer um Trump ou algo parecido. Pelo menos para já. Para que isso não aconteça, temos que mostrar as nossas convicções, manifestá-las nas urnas, e não deixar que os cidadãos sejam meros fantoches no sistema político.
Porque, no final das contas, a democracia é do povo.
Foi para isto que se fez o 25 de abril.

“A democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo.”
Abraham Lincoln

 

 

João Gomes